Difal de ICMS: quem tem razão, contribuintes ou estados?

Esperamos que as decisões do STF nas ações que tratam sobre o tema se deem com a maior brevidade possível

Muito tem se falado sobre a insegurança jurídica que se instaurou com a publicação da Lei Complementar 190/2022, que trata do Difal de ICMS, assim entendido como o ICMS incidente nas operações interestaduais para consumidor final não contribuinte do imposto localizado em outra unidade federativa. Basicamente, a discussão gira em torno da aplicação ou não do princípio constitucional da anterioridade sobre a data de publicação da LC 190/2022.

De um lado, os contribuintes defendem que, uma vez que o Difal de ICMS representa uma nova relação jurídico-tributária entre o remetente dos bens e serviços e o estado do destinatário, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE 1.287.019, essa nova relação resulta em um novo tributo, o que enseja a aplicação do princípio constitucional da anterioridade (i.e., anual e nonagesimal) a partir da data de publicação da LC 190/2022, fazendo com que os estados e o Distrito Federal possam exigir o imposto somente a partir do exercício de 2023.

De outro, as unidades federativas, embora reconheçam que o Difal de ICMS representa uma nova relação jurídico-tributária, alegam que tal relação não resulta em um novo imposto, mas em uma mera redistribuição de receitas entre os estados de origem e destino. Assim, não caberia a aplicação do princípio da anterioridade, o que significa que o Difal de ICMS já poderia ser exigido logo após a publicação da LC 190/2022.

Com esses argumentos, o estado de Alagoas ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7070 junto ao STF contra o art. 3º da LC 190/2022 que determina a observância ao princípio da anterioridade para a produção de seus efeitos. Ao defender que o Difal de ICMS não representa um novo imposto, o estado alega que não estariam presentes os requisitos constitucionais para a aplicação da anterioridade, de tal forma que a sua imposição pela LC 190/2022 violaria o princípio federativo.

Cabe destacar que, para a aplicação do princípio da anterioridade, a Constituição Federal exige que a nova lei crie um novo tributo ou majore um existente. Assim, resta saber se a inauguração de uma nova relação jurídico-tributária em torno do Difal de ICMS representa ou não um novo tributo. Para tanto, torna-se necessário definir o que é tributo.

Dentre as acepções do termo “tributo” contidas nos textos normativos apontadas pela doutrina, destacam-se aquelas que se referem ao tributo como:

• direito subjetivo do Estado;

• sinônimo de relação jurídico-tributária;

• norma jurídica; e

• prestação correspondente ao dever do contribuinte.

Rapidamente se observa que a nova relação jurídico-tributária do Difal de ICMS resulta em um novo tributo, pois inova em todas as acepções ao, respectivamente:

1. atribuir ao estado de destino um direito que antes não lhe cabia;

2. representar uma nova relação jurídico-tributária que se dá entre o remetente e o estado do destinatário do bem ou serviço;

3. introduz uma nova norma jurídica que obriga o remetente a pagar o diferencial de alíquotas entre a interestadual e a do estado de destino a este último; e

4. impõe ao remetente uma nova prestação.

Adicionalmente, cabe analisar a definição de tributo contida no art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN), que diz: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Nota-se que, ao mencionar o termo “prestação”, o CTN abraça a acepção de relação jurídico-tributária, uma vez que toda prestação é objeto de uma relação que se dá entre devedor e credor. Por reflexo, também abraça as acepções de direito subjetivo do Estado, dado o caráter compulsório da obrigação tributária, e de prestação correspondente ao dever do contribuinte. Como visto, por tais acepções abarcadas pelo CTN, podemos dizer que o Difal de ICMS representa um novo tributo.

Adicionalmente, por meio da expressão “instituída em lei”, pode-se evocar a acepção do tributo como norma jurídica, sendo esta a única via capaz de fazer surgir a relação jurídico-tributária e que deve resultar de lei editada por agente competente. Nesse sentido, observa-se que, conforme demonstrado pelo ministro Dias Toffoli no julgamento do RE 1.287.019, as normas anteriores ao Difal de ICMS não eram suficientes para que este tributo fosse exigido, sendo necessária a edição de novas leis dos estados e do Distrito Federal para, após a edição da LC 190/2022, permitir a exação.

Assim, conclui-se que falar na criação de uma nova relação jurídico-tributária para o Difal de ICMS é falar na criação de um novo tributo, o que exige a observância ao princípio da anterioridade para a determinação do momento a partir do qual o imposto poderá ser exigido. Resta então saber qual é o termo inicial para a aplicação do referido princípio.

A Constituição Federal indica como termo inicial, tanto para a anterioridade anual quanto a nonagesimal, a data de publicação da lei que institui ou majora tributo, sendo esta entendida como a lei que permite a incidência do novo tributo ou de sua majoração. Para o Difal de ICMS, temos duas situações: 1) estados que publicaram suas leis instituidoras do Difal de ICMS após a LC 190/2022; e 2) estados que publicaram suas leis antes da lei complementar.

Na situação 1, a lei que permite a exigência do Difal de ICMS é a própria lei do estado, devendo a anterioridade ser aplicada a partir da data de sua publicação. Na situação 2, a lei que permite a exação é a LC 190/2022 e não a lei estadual, devendo-se, portanto, aplicar a anterioridade (anual e nonagesimal) a partir da data de publicação da LC 190/2022. Como exemplo da situação 2, tem-se a Lei 14.470/2021 do estado de São Paulo publicada em 14 de dezembro de 2021, cuja exigência do Difal de ICMS deve se dar apenas a partir de 1º de janeiro de 2023.

Nesse sentido, entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) — Processo nº 3000383-58.2022.8.26.0000 — ao manter a liminar concedida pela 16ª Vara da Fazenda Pública da Capital que, em mandado de segurança impetrado por Condor S/A Indústria Química, deferiu o pedido liminar proibindo o estado de São Paulo de não exigir o Difal de ICMS antes de 1 de janeiro de 2023. Na decisão, o desembargador Eduardo Gouvêa observou que “a Lei Estadual sobre a cobrança do Difal nº 14.470/2021, publicada em 14/12/2021, não teria observado o princípio da anterioridade geral, levando-se como termo inicial a edição da LC 190/2022 (…)”.

No entanto, observa-se que tem havido decisões judiciais alinhadas à corrente contrária aos contribuintes, como a que se deu no Processo nº 1012495-52.2021.8.26.0510 da 1ª Vara da Fazenda Pública do Foro de Araraquara (SP) em que o juiz indeferiu o pedido de liminar ao entender que

“não se trata de violação do princípio da anterioridade anual ou nonagesimal, justamente por não se referir à criação de imposto novo ou majoração de um imposto existente”.

Nesse contexto de insegurança jurídica, já há relatos de contribuintes que sofreram com o impedimento do trânsito de mercadorias ou a sua apreensão pela fiscalização, por conta do não recolhimento do Difal de ICMS.

Assim, respondendo à questão trazida no título, com base na doutrina e na Constituição Federal, concluímos que a razão está com o contribuinte. Porém, diante das iniciativas dos estados em cobrar o Difal de ICMS em 2022, bem como de algumas decisões do Judiciário contrárias ao contribuinte, vemos que muita água deve ainda rolar pelo rio da insegurança jurídica que passa sob a ponte do Difal de ICMS.

Para dirimir a insegurança, esperamos que as decisões do STF nas ações que tratam sobre o tema (ADI 7070 e 7066) se deem com a maior brevidade possível, lembrando que, ainda que possam se dar em favor dos contribuintes, podem vir acompanhadas de modulações de efeitos. Mas esta seria a história de uma outra ponte.

Fonte: JOTA

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