Coisa julgada tributária: STF nega modulação
Com decisão, contribuintes , devem recolher CSLL desde 2007. Entenda a tese que foi fixada pela Corte
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) determinaram que os contribuintes com decisão favorável transitada em julgada permitindo o não pagamento da CSLL serão obrigados a voltar a pagar o tributo desde 2007, data em que a Corte reconheceu a constitucionalidade da contribuição no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 15. Entenda abaixo como foi o julgamento da coisa julgada tributária no STF.
A definição é resultado da conclusão do julgamento, nesta quarta-feira (8/2), dos dois recursos extraordinários que discutem os limites da coisa julgada em matéria tributária. Trata-se do RE 949.297 e do RE 955.227, elencados nos Temas 881 e 885 da repercussão geral.
Por unanimidade, os ministros definiram que um contribuinte que obteve uma decisão judicial favorável com trânsito em julgado permitindo o não pagamento de um tributo perde automaticamente o seu direito diante de um novo entendimento do STF que considere a cobrança constitucional. O entendimento é que a cessação de efeitos da coisa julgada é automática diante de uma nova decisão do STF, não sendo necessário que a União ajuíze ação revisional ou rescisória.
No entanto, os ministros negaram, por 6X5 votos, o pedido de modulação de efeitos formulado pelos contribuintes. O pleito era para que a decisão de hoje tivesse efeitos a partir da publicação da ata de julgamento de mérito dos recursos. Na prática, isso permitiria que a União cobrasse o tributo apenas a partir de 2023. Com a negativa, a cobrança poderá ser retroativa a 2007.
Por outro lado, por 6X5 votos, ficou acordado que, caso o STF julgue um tributo constitucional, a cobrança deverá respeitar as anterioridades anual e nonagesimal, a depender do tributo, para começar a valer. No caso da CSLL, por exemplo, aplica-se apenas a noventena.
Os ministros fixaram a seguinte tese, proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso:
“1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.
2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”.
Os votos dos ministros sobre a coisa julgada tributária no STF
Na semana passada, os ministros já haviam formado placar de 9X0 pela quebra automática dos efeitos da coisa julgada em matéria tributária. No entanto, os magistrados divergiam quanto à modulação de efeitos. Três ministros – Edson Fachin, Nunes Marques e Luiz Fux – votaram pela modulação, ou seja, para que a decisão produzisse efeitos a partir da ata de julgamento do presente julgamento. Assim, o contribuinte teria de pagar o tributo apenas daqui para frente. Os demais entendiam que o pagamento deveria começar em 2007 – data em que o STF definiu que a CSLL era constitucional.
Na abertura da sessão desta quarta-feira, o ministro Dias Toffoli, que antes era contrário à
modulação, alterou o seu voto e passou a acompanhar o ministro Edson Fachin, pela produção de efeitos a partir de 2023, ou seja, após a conclusão do julgamento da coisa julgada.
O ministro Ricardo Lewandowski, por sua vez, apresentou seu voto nesta quarta-feira e também foi favorável à modulação. O magistrado mostrou-se preocupado com a proteção da coisa julgada. Para ele, a não modulação significa a flexibilidade da coisa julgada. Lewandowski lembrou ainda que, em nenhum momento da discussão da ADI 15 colocou-se o afastamento da coisa julgada como parte dos efeitos da decisão.
“Não é possível exigir agora, abruptamente, esse entendimento por parte dos contribuintes”, defendeu o ministro. Com esse raciocínio, o ministro acompanhou integralmente o voto do ministro Edson Fachin, relator de um dos recursos extraordinários em análise.
Já a ministra Rosa Weber, que também apresentou seu voto nesta quarta-feira, acompanhou o ministro Luís Roberto Barroso, pela não modulação, de modo que a cobrança dos tributos seja válida a partir de 2007. Na opinião da magistrada, a modulação traria maior insegurança jurídica. A ministra defendeu que é preciso proteger a isonomia tributária. Rosa argumentou ainda que a não modulação dos efeitos da decisão não rompe a legítima expectativa dos contribuintes porque desde 2007 há uma decisão do Supremo entendendo pela constitucionalidade da CSLL.
Além de Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, os ministros contrários à modulação foram Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e André Mendonça.
Entenda o julgamento da coisa julgada em matéria tributária no STF
Ambos os casos dizem respeito à CSLL, mas o julgamento também impactará outros tributos pagos de modo continuado. A discussão sobre a CSLL envolve, sobretudo, grandes empresas, de diversos setores, que obtiveram na Justiça o direito de não recolher esse tributo. Além das empresas que são partes nos processos – TBM Têxtil e Braskem –, companhias como a mineradora Samarco e o Grupo Pão de Açúcar podem ser atingidas pela decisão.
Nos anos 1990, essas empresas conseguiram na Justiça o reconhecimento da inconstitucionalidade da CSLL, instituída pela Lei 7689/89. Entre outros motivos, os juízes entenderam que a criação da CSLL não foi precedida de lei complementar nem respeitou o princípio da anterioridade, segundo o qual um tributo não pode ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que foi instituído.
Em 2007, porém, o STF declarou o tributo constitucional no julgamento da ADI 15. Para a União, essa declaração do STF permite ao fisco lançar e cobrar automaticamente o tributo, sem a necessidade de uma ação revisional ou rescisória — argumento acolhido agora pelos relatores.
Julgamento pode impactar outros tributos
Embora o caso concreto diga respeito à CSLL, a decisão do STF poderá ter impacto sobre a cobrança de outros tributos pagos de forma continuada e com mudanças jurisprudenciais semelhantes, como a controvérsia envolvendo o recolhimento de Cofins pelas sociedades prestadoras de serviços.
A discussão gira em torno de uma isenção prevista na LC 70/1991, posteriormente revogada pela Lei 9.430/1996. Devido à revogação de um instituto constante em lei complementar por uma lei ordinária, contribuintes foram à Justiça, conseguindo decisões considerando a revogação inconstitucional.
Em 2018, porém, o Supremo se posicionou pela regularidade da revogação, fixando a tese de que “é legítima a revogação da isenção estabelecida no art. 6º, II, da Lei Complementar 70/1991 pelo art.
56 da Lei 9.430/1996, dado que a LC 70/1991 é apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída”.
Decisão privilegia autoridade dos precedentes do STF, diz Fazenda
Para Paulo Mendes de Oliveira, procurador da Fazenda Nacional e coordenador-geral da atuação da PGFN no STF, a decisão privilegia a força dos precedentes da Corte e leva em consideração o posicionamento da procuradoria publicado desde 2011 sobre o tema. Oliveira faz referência ao Parecer 492/11, por meio do qual a PGFN definiu administrativamente a possibilidade de cessação dos efeitos da coisa julgada em matéria tributária.
“As razões de decidir de precedentes do STF, mesmo que em temas não tributários, guiaram o julgamento de hoje. Além disso, o STF chancelou o que a Fazenda Nacional reconhece administrativamente desde 2011”, afirmou Mendes.
O procurador da Fazenda Nacional Cláudio Xavier Seefelder também ressaltou que o julgamento fez valer a jurisprudência do STF, a força normativa da Constituição e a autoridade dos precedentes do STF. “A coisa julgada deve valer para o passado, e não infinitamente para o futuro. O que o STF fez foi falar que só vale para o futuro até a decisão do Supremo”, disse o procurador.
Contribuintes estudam rediscutir modulação
Para a advogada Gláucia Lauletta, do escritório Mattos Filho, que representa a TBM – Têxtil Bezerra de Menezes S.A no RE 949297, os ministros que compreenderam os fatos envolvendo a discussão da CSLL naturalmente se inclinaram pela modulação. O que estava em discussão, afirmou, não era se a CSLL era devida ou não, mas sim a coexistência de duas decisões – a anterior favorável ao contribuinte e um novo entendimento do STF contrário.
“Ninguém duvidou que, desde 2007, o STF manifestou entendimento de que a CSLL é devida. Isso é inquestionável. O que estava em jogo era saber se a decisão do STF em controle concentrado [no julgamento de uma ADI] afetaria ou não as decisões individuais. E isto foi apreciado pela primeira vez agora”, disse Lauletta.
Mesmo com a decisão contrária à modulação, os contribuintes estudam debater novamente o assunto por meio de embargos de declaração. Para Lauletta, o julgamento concluído hoje traz uma omissão em relação à jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2011, sob a sistemática de recurso repetitivo, no Tema 340. Neste caso, que envolveu também a cobrança da CSLL, o STJ definiu que “o fato de o Supremo Tribunal Federal posteriormente manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar validade ao próprio controle difuso de constitucionalidade”.
Na visão da advogada, entre outros argumentos, a mudança jurisprudencial em relação a esse julgado do STJ justificaria a modulação de efeitos. “Eu entendo que alguns ministros não se manifestaram sobre esse precedente do STJ, que reconhecia a prevalência da coisa julgada”, afirmou Lauletta.
Fonte: JOTA