Rappi é condenada pelo TRT2 a contratar entregadores em todo o Brasil como celetistas
TRT2 também condenou empresa a pagar indenização de 1% do faturamento em 2022 por lesão coletiva a direitos trabalhistas
A Rappi foi condenada pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2) a contratar como celetistas todos os entregadores que prestam serviços para a empresa, além de pagar uma indenização equivalente a 1% do faturamento de 2022, em razão da lesão coletiva aos direitos dos trabalhadores. O julgamento foi unânime.
De acordo com a decisão, a Rappi tem prazo de trinta dias da publicação do acórdão, independentemente do trânsito em julgado, para deixar de acionar os entregadores que não tenham a CTPS anotada por ela, sob pena de pagamento de multa de R$ 10.000,00 por trabalhador acionado indevidamente. Já a indenização por danos morais coletivos deverá ser direcionada ao Fundo de Amparo ao Trabalhador(FAT).
Os desembargadores fixaram na decisão que a empresa deverá contratar todo entregador que tiver prestado serviço, pelo lapso mínimo de seis meses, entre os anos de 2017 a maio de 2023, sendo que, dentro desse período, o trabalhador deverá ter feito no mínimo três entregas, em três meses diferentes.
A decisão do TRT2 foi tomada num recurso de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Em dezembro do ano passado, na primeira instância, a juíza Edivânia Bianchin Panzan, da 55ª Vara do Trabalho de São Paulo, havia julgado improcedentes os pedidos do MPT.
O que diz a decisão que condenou a Rappi a contratar todos os entregadores
Na visão do juiz do Trabalho convocado Paulo Sérgio Jakutis, relator da ação, a atividade da Rappi “conquanto revestida de ares de modernidade e futurismo, configura-se numa verdadeira tentativa de volta a um passado onde os trabalhadores sofreram muitíssimo”. Para fazer entregas, na visão do magistrado, a empresa se utiliza de “trabalhadores desemparados da rede de proteção formada pelo direito do trabalho e seguridade social”.
Não pode ser considerado autônomo, afirma o relator, “quem recebe ordens de como deve se portar no trabalho (“não fale gírias”), ou de como deve prestar o serviço (“guarde corretamente os produtos na bag”), ou, ainda, como deve se vestir (“use máscara”). E, menos ainda, se concebe que possa ser considerado autônomo o trabalhador que está sujeito ao poder disciplinar do tomador dos serviços (empregador), o qual fiscaliza ininterruptamente a forma como a prestação de serviços ocorre e ameaça o trabalhador com sanções como advertências e a diminuição dos acionamentos (que equivale à diminuição do salário, para um trabalhador que, como os entregadores da ré, eram tarefeiros) ou mesmo o despedimento”.
O relator também questiona a versão da Rappi de que “é uma empresa de tecnologia intermediadora, que explora a plataforma tecnológica, com o intuito de permitir aos usuários do aplicativo a oferta e a procura de bens e serviços”.
Para ele, este argumento é fortemente contrariado pela conduta da Rappi em relação à forma de atuação dos entregadores. Jakutis afirma que a empresa “sabe que tem responsabilidade na forma como o produto chega e é entregue ao cliente, porque não é só uma plataforma informatizada, mas é a própria entregadora das mercadorias, qualquer que seja a natureza jurídica da relação que mantenha com os trabalhadores que realizam as entregas. Essa responsabilidade não é mera decorrência do interesse que a ré tem em aumentar a demanda pelos serviços que oferece (o que já seria, por si só, uma motivação muito razoável para a ré se preocupar e controlar a conduta dos entregadores que trabalham em favor dela), mas da própria relação de consumo”.
Os magistrados também pontuam que os entregadores não eram livres para recusar entregas, na medida em que, se o fizessem por três vezes eram desligados. A Rappi, avaliam os julgadores, “não só determinava (dava ordens, portanto) qual a tarefa que o reclamante deveria fazer (“faça a entrega do objeto tal para o cliente tal”), como tinha um controle/fiscalização muito mais preciso e completo do que aquele efetuado pelo cartão de ponto, por exemplo”.
A observação das provas, afirma o relator do caso, “convence não apenas que havia subordinação entre a ré e os entregadores, mas que tal subordinação estava envelopada por um véu estratégico que dissimulava a relação de poder/dominação existente entre eles, de sorte a convencer o empregado de que as ordens/comandos do empregador eram, em verdade, componentes relevantes do interesse do próprio trabalhador, que, então, gozava, na relação com a ré, das mais amplas e incontrastadas liberdades”.
Procurada, a Rappi afirmou que “vai recorrer à decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, pois não concorda com a decisão proferida. O STF e o STJ já possuem diversas decisões contrárias à que apresentou o Tribunal. Além disso, há debates vigentes a respeito da relação entre entregadores e plataformas, no qual estamos colaborando ativamente com o GT que discute o assunto, evidenciando a não sustentação da decisão. Estamos disponíveis ao diálogo e para contribuir com eventuais propostas que venham a surgir, tanto na Câmara Municipal quanto no Congresso Nacional”.
A ação civil pública tramita com o número 1001416-04.2021.5.02.0055 no TRT2.
Fonte: JOTA