Testemunhas de Jeová podem recusar transfusões de sangue, decide STF
Foi fixada a tese que determina ao Estado o custeio de tratamentos alternativos que estejam disponíveis do Sistema Único de Saúde (SUS) e que não envolvam transfusão de sangue
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (25/9) que pacientes médicos podem recusar transfusão de sangue por questões religiosas. O Plenário discutiu os Recursos Extraordinários (REs) 979742 (Tema de Repercussão Geral 952) e 1212272 (Tema de Repercussão Geral 1069), que tratam do direito à realização de cirurgias sem transfusão de sangue para pacientes Testemunhas de Jeová, religião que não aceita esse tipo de tratamento.
No RE 979742, prevaleceu a posição do ministro relator Luís Roberto Barroso. Em seu voto, o presidente do STF permitiu que as Testemunhas de Jeová recusem transfusões de sangue, desde que essa negativa preencha requisitos como o paciente ser maior de idade, capaz e em condições de discernimento. A manifestação também deve ser livre, inequívoca e esclarecida.
“Por se tratar, a interdição à transfusão de sangue, de um dogma das pessoas que professam a crença das Testemunhas de Jeová, é legítima, ao meu ver, a recusa”, afirmou Barroso. Conforme o voto, o Estado deve custear tratamentos alternativos para esses pacientes que estejam disponíveis do Sistema Único de Saúde (SUS), que não envolvam transfusão de sangue, mesmo que sejam em outra cidade ou Estado de domicílio do paciente.
O ministro Gilmar Mendes, relator do RE 1212272, fixou em sua tese que será permitido ao paciente “no gozo pleno da sua capacidade civil, recusar-se a se submeter a tratamento de saúde por motivos religiosos”.
“A recusa a tratamento de saúde por razões religiosas é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive quando veiculada por meio de diretiva antecipada de vontade”, afirmou o ministro.
Ficaram definidas as seguintes teses:
No RE 1.212.272: “1. Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, tem o direito de recusar o procedimento médico que envolva transfusão de sangue com base na autonomia individual e na liberdade religiosa. 2. Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS. Podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.”
E no RE 979.742: “1. É permitido ao paciente no gozo pleno da sua capacidade civil recusar-se a se submeter a tratamento de saúde por motivos religiosos. A recusa a tratamento de saúde por razões religiosas é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive quando veiculada por meio de diretiva antecipada de vontade. 2. É possível a realização de procedimento médico disponibilizado a todos pelo SUS, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico científica de sucesso, anuência da equipe médica com sua realização e decisão inequívoca livre e informada e esclarecida do paciente”.
Acompanharam Barroso e Mendes os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin. O placar final foi de 10×0 pela permissão da recusa. O ministro Dias Toffoli segue em licença médica e não votou.
Entenda o caso
Foram julgados dois recursos, um deles é o RE 979.742, em que a União recorreu de decisão que a condenou, juntamente com o estado do Amazonas e o município de Manaus, a custear uma cirurgia de artroplastia total em outro estado, em razão de o procedimento que não utiliza transfusão de sangue não ser ofertado no Amazonas.
O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, reconheceu a repercussão geral do caso ainda em 2017, no Tema 952, e enfatizou a importância do respeito à autodeterminação e às crenças das Testemunhas de Jeová. No entanto, alertou que o repasse de recursos públicos, em um contexto de escassez de verbas, pode comprometer outros princípios constitucionais.
O segundo RE julgado foi o 1.212.272, relatado pelo ministro Gilmar Mendes, que envolve uma Testemunha de Jeová que teve uma cirurgia de substituição de válvula aórtica cancelada após se negar a assinar termo de consentimento autorizando a transfusão de sangue.
O recurso também teve repercussão geral reconhecida, sob o Tema 1069, em 2019. Na ocasião, Mendes avaliou que o alcance da “liberdade religiosa não deve ser medido pela força numérica, nem pela importância social de determinada associação religiosa. A liberdade de credo deve ser assegurada de modo igual a todos”. Para o ministro, a recusa de procedimentos é uma “questão diretamente vinculada ao direito fundamental à liberdade de consciência e de crença, além de outros princípios e garantias constitucionais”.
A advogada da paciente, Eliza Gomes, Morais, argumentou que a recusa é uma escolha “legítima” do ponto de vista médico-científico. “Os pacientes não querem mais ser tratados como crianças nos seus tratamentos médicos, querem ser tratados como adultos capazes”, disse.
Fonte: JOTA