Reforma Tributária pode elevar carga sobre aluguéis
Texto do PLP 68/24 abre brecha para tributação de pessoas físicas pelo IBS e CBS
A depender do resultado da votação da regulamentação da Reforma Tributária, pessoas físicas e empresas que alugam imóveis vão pagar mais impostos. O PLP 68/24 está em vias de ser votado pelo Senado Federal e depois voltará para a Câmara dos Deputados, e altera a tributação de aluguéis daqueles que têm a atividade de locação como preponderante.
A mudança deve afetar, por exemplo, a tributação das holdings familiares, empresas que têm vários imóveis e que são uma forma de facilitar o planejamento sucessório. Atualmente, ao alugarem imóveis, tanto pessoas físicas quanto empresas não pagam ICMS (imposto estadual) e nem ISS (municipal). As primeiras pagam apenas o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), que incide sobre as receitas de aluguel, enquanto as segundas pagam o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), o Pis e a Cofins. A Reforma Tributária muda essa situação e prevê que a receita de locação de imóveis será tributada pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – que substituirá o Pis e a Cofins – e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – que substituirá o ICMS e o ISS. Os impostos que incidem sobre a renda (o IRPJ e o IRPF) continuarão sendo cobrados, uma vez que a atual Reforma apenas modifica os impostos relacionados ao consumo.
Ou seja, ao alugarem imóveis, as empresas passarão a pagar os impostos de competência municipal e estadual, que antes não pagavam. Por outro lado, o setor imobiliário entrou na lista de setores diferenciados – e que fazem jus a reduções na alíquota referencial do IVA Dual (CBS e IBS), a princípio de 26,5%. Inicialmente, a redução prevista seria de 60%. Para as empresas, aplicado esse desconto, a tributação sobre a atividade de locação seria de 10,6%, calculam Anna Flávia Moreira Silva e Nathan Amaral, associados do Freitas Ferraz Advogados. Hoje, a maioria das empresas paga 3,65% de Pis/Cofins no regime cumulativo.
Vale lembrar que a matéria ainda está em definição e que vários elementos podem mudar, inclusive a alíquota base do IVA. No parecer apresentado pelo relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, foi sugerido que o redutor da alíquota seja aumentado de 60% para 70% – o que daria uma alíquota de 7,95% sobre os aluguéis, ainda superior ao que a maioria das empresas atualmente paga. Outra mudança trazida pelo relator foi a definição de que, para locações, haveria a incidência do IBS e da CBS apenas para receitas de aluguéis superiores a 240 mil reais e pelo menos três imóveis alugados.
Até o fechamento desta edição, a votação do PLP 68/24 estava prevista para 11/12/24.
A atividade econômica preponderante
Para as pessoas físicas, a tributação pelo IBS e pela CBS vai ocorrer apenas se a receita da locação for a “atividade econômica preponderante” de pessoa já sujeita ao regime do IBS/CBS. Acontece que este termo tem potencial para gerar confusão, consideram os tributaristas. “[ …] com a atual redação do PLP, que, em nossa opinião, é bastante vaga e genérica, entendemos existe uma importante brecha para que se faça uma interpretação extensiva da norma e se passe a tributar os aluguéis de maneira geral, pelos impostos sobre o consumo, majorando consideravelmente a carga tributária”, avaliam Mariana Longo e Giovanna Milana, associadas do Vieira Rezende Advogados. Elas consideram que deveriam estar mais claras as hipóteses de não incidência do IBS/CBS nas operações de locação, especialmente aquelas realizadas por pessoas físicas que possuem diversos imóveis e se valem do seu rendimento (locação) como fonte de renda preponderante.
Na mesma direção vai a avaliação de Silva e Amaral, do Freitas Ferraz, para quem a tributação pelo IBS e pela CBS provavelmente alcançará as pessoas físicas que realizam operações com imóveis de forma habitual ou em volume que caracterize uma atividade econômica. “Por isso, é fundamental que se defina claramente o que caracteriza a “atividade preponderante” para fins de tributação – isto é: em que situações a pessoa física será considerada contribuinte do IBS e da CBS ao exercer a atividade de locação de imóveis.”
Na entrevista abaixo – concedida antes da apresentação do parecer do relator no Senado e da votação do PLP 68/24 –, os advogados do Freitas Ferraz e do Vieira Rezende abordam a matéria e as suas possíveis consequências.
O que a Reforma Tributária prevê com relação à tributação de aluguéis de imóveis?
Atualmente, a receita da locação de imóveis por pessoa física está sujeita ao Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) – tabela progressiva (de até 27,5%), enquanto a receita de locação de imóveis por pessoas jurídicas imobiliárias é tributada pelo Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), pela contribuição ao Pis(Programa de Integração Social) e pela Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
Em ambos os casos, a receita de locação não é tributada pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ou pelo Imposto sobre Serviços (ISS). No entanto, esse cenário mudará com a Reforma Tributária, que prevê que a receita da locação de imóveis será tributada pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – que substituirá o Pis e a Cofins – e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – que substituirá o ICMS e o ISS.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 – que regulamenta a Reforma – prevê uma redução de alíquota do IBS e da CBS de 60% para as operações de locação, em comparação à alíquota referencial do IVA-Dual (IBS e CBS), que é de 26,5%. Dessa forma, para as pessoas jurídicas, considerando essa redução, a tributação sobre a atividade de locação será de 10,6% (atualmente, paga-se 3,65% de Pis/Cofins no regime cumulativo – modelo normalmente adotado pelas pessoas jurídicas imobiliárias).
Além disso, o PLP 68/24 prevê a tributação pelo IBS e pela CBS também nas operações de locação realizadas por pessoas físicas, caso a receita da locação seja considerada sua “atividade econômica preponderante”. Isso resultará em uma carga tributária adicional de 10,6% sobre a receita de locação, além do IR já pago pelas pessoas físicas (entre 7,5% e 27,5%).
De qualquer modo, o PLP prevê um “redutor social” no valor de R$ 400,00 por bem imóvel, a ser deduzido da base de cálculo do IBS e da CBS devidos na operação de locação.
O PLP 68/2024 reservou um capítulo específico para tratar do regime diferenciado da tributação de bens imóveis. Dentre as operações abarcadas pelo regime específico, está a de locação de bens imóveis realizadas por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, com exceção das hipóteses em que o imóvel não é utilizado de forma preponderante nas atividades econômicas da pessoa física.
No texto mais recente do PLP em questão, foi determinado que as alíquotas do IBS e CBS relativas à operação de locação de imóveis ficarão reduzidas em 60%. No entanto, sabe-se que para que a carga tributária atual seja mantida seria necessário um redutor de 80% de tais impostos.
Com relação a investimentos imobiliários mantidos indiretamente, via fundos de investimento imobiliário (FII), há alguma mudança prevista na Reforma e que indiretamente irá afetar os cotistas?
De acordo com o PLP nº 68/2024 (artigo 26, §6º), o Fundo de Investimento Imobiliário (FII), em regra, não será contribuinte do IBS e da CBS, desde que obedeça às condições já estabelecidas na legislação vigente, que asseguram a isenção do IR sobre os rendimentos distribuídos aos cotistas. Assim, não haverá aumento da carga tributária para as pessoas físicas que investem em imóveis por meio de cotas de FII.
No entanto, ainda persiste indefinição quanto à manutenção desse tratamento especial aos FII na regulamentação final da Reforma Tributária, especialmente no que se refere à tributação das receitas geradas pelos próprios fundos.
As pessoas físicas que investem em imóveis por meio de cotas de fundos de investimento imobiliário (FIIs) não foram inseridas no contexto das alterações da Reforma Tributária até o presente momento, de modo que, a princípio, não teriam que se preocupar com qualquer majoração de tributo. Há, inclusive, diversas manifestações que criticam essa diferenciação feita em relação às pessoas físicas que investem em imóveis diretamente.
Alguns consideram que a Reforma Tributária poderá aumentar os impostos e, consequentemente, os valores dos aluguéis. Em sua visão, essa preocupação procede?
Apesar da previsão de redução de alíquota em 60% e da possibilidade de aproveitamento de créditos para reduzir a base de cálculo do IBS e da CBS, o setor imobiliário tem demonstrado preocupação quanto à tributação das receitas de locação após a Reforma. Isso se deve, principalmente, à limitada geração de créditos pela atividade de locação – que se restringe, basicamente, a gastos com manutenção e reforma dos imóveis locados. Esse cenário pode exigir um recálculo de planejamentos tributários, especialmente para aqueles que estruturam suas atividades por meio de holdings imobiliárias.
Caso o aumento da carga tributária se concretize, é possível que (a mudança) impacte diretamente o valor dos aluguéis dos imóveis, o que, por si só, influencia na própria política habitacional do país. Nesse ponto, vale lembrar que, segundo dados do IBGE de 2022, cerca de 20% da população brasileira e 65,4% da população de baixa renda vivem em imóveis locados. Diante desse cenário, há pressão crescente da sociedade civil organizada para que a redução de alíquota das atividades de locação seja ampliada para 80%.
Procede em parte. Hoje em dia a atividade de locação imobiliária é tributada apenas pelo Imposto de Renda (sobre os rendimentos de aluguel recebidos). Com a Reforma Tributária aprovada nos moldes em que o atual texto do PLP propõe, não são todas as operações de locação que serão tributadas pelo IBS e pela CBS, mas apenas aquelas que representem a atividade preponderante de pessoa já sujeita ao regime do IBS/CBS. Porém, com a atual redação do PLP, que, em nossa opinião, é bastante vaga e genérica, entendemos existe uma importante brecha para que se faça uma interpretação extensiva da norma e se passe a tributar os aluguéis de maneira geral, pelos impostos sobre o consumo, majorando consideravelmente a carga tributária. Desse modo, é razoável o receio de que os proprietários dos imóveis (locadores) aumentem o valor dos aluguéis mensais como uma forma de compensar esse aumento de tributação.
Em nossa opinião, a redação do PLP 68/24 deveria ser mais clara em relação às hipóteses de não incidência do IBS/CBS nas operações de locação, especialmente aquelas realizadas por pessoas físicas que possuem diversos imóveis e se valem do seu rendimento (locação) como fonte de renda preponderante. Como dito, a atual redação não é suficientemente clara a esse respeito, deixando margem para interpretações dúbias.
Em sua avaliação, quais pontos da regulamentação, referentes à tributação de pessoas físicas que alugam imóveis, precisam ser ajustados na regulamentação da Reforma?
A tributação pelo IBS e pela CBS provavelmente alcançará as pessoas físicas que realizam operações com imóveis de forma habitual ou em volume que caracterize uma atividade econômica. Por isso, é fundamental que se defina claramente o que caracteriza a “atividade preponderante” para fins de tributação – isto é: em que situações a pessoa física será considerada contribuinte do IBS e da CBS ao exercer a atividade de locação de imóveis.
Além disso, existem outros debates de caráter econômico sobre o possível aumento da carga tributária e a necessidade de uma redução mais significativa das alíquotas, especialmente à luz do objetivo de neutralidade da Reforma Tributária.
Entendemos que é primordial que o texto do PLP 68/24 defina com clareza e objetividade o conceito de atividade econômica preponderante, utilizado como principal elemento de definição da hipótese de incidência do IBS/CBS nas operações de locação de bens imóveis. Vale ressaltar que, um outro exemplo de situação que pode ser impactada com a falta de clareza do conceito é o caso de profissionais liberais (sujeitos ao regime regular do IBS/CBS pela sua atividade principal) que alugam um imóvel próprio para a sociedade da qual fazem parte e onde realizam suas atividades econômicas. Pelo texto atual, há dúvidas se esse aluguel estaria incluído no conceito de atividade preponderante e portanto sujeito à tributação sobre o consumo.
Fonte: Legislação e Mercados