Reforma Tributária altera panorama do setor imobiliário
Transição do regime cumulativo para o não cumulativo e aumento da carga devem afetar incorporadoras
O setor imobiliário precisa se preparar, por meio de estudos profundos, para grandes mudanças tributárias. A Reforma Tributária vai impactar bastante as empresas da área – além de se depararem com o aumento da carga de impostos, elas deverão fazer a transição do regime cumulativo, no qual a maioria opera, para o não-cumulativo.
“[…] a adaptação dos players desse mercado será substancial, exigindo das pessoas jurídicas a implementação de controles contábeis e fiscais para apuração de créditos e débitos, bem como ajustes nos modelos de negócio e até precificação de imóveis e aluguéis”, afirmam Thiago Braichi e Marina Guimarães, sócio e associada do Freitas Ferraz Advogados.
“Com as novas regras aplicáveis ao setor imobiliário, que passarão a ser tributados pelo IBS [Imposto sobre Bens e Serviços] e CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços], naturalmente haverá a necessidade de adaptações à nova sistemática, mas que não parecem ter uma complexidade excessiva”, afirmam Bianca Mareque e Matheus Moitinho, sócia e associado do Vieira Rezende Advogados.
A maioria das empresas do setor opera sob o regime cumulativo de Pis e Cofins e paga alíquota conjunta de 3,65% que incide sobre a receita bruta. Muitas empresas aderiram ao Regime Especial de Tributação (RET), que também é cumulativo, pelo qual incide uma alíquota somada de 4% para Pis, Cofins, IRPJ e CSLL, que incide sobre as receitas mensais. O RET é um benefício fiscal aplicável às incorporações imobiliárias que estejam submetidas ao patrimônio de afetação. Pelo regime cumulativo, as empresas não geram créditos que podem ser usados para abater os impostos a pagar.
Essa realidade vai mudar com o início da cobrança do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), dois novos tributos criados pela reforma e que foram constituídos no regime não cumulativo – que prevê o aproveitamento de créditos gerados em etapas anteriores da cadeia produtiva.
Aumento da carga tributária
Outro ponto relevante para o setor será o aumento da carga tributária. Mareque e Moitinho, do Vieira Rezende, afirmam que a expectativa é de um aumento, “especialmente porque, no regime anterior, não incidiam o ICMS e o ISS sobre as operações imobiliárias, sendo que, com o novo regime, incidirá o IBS estadual e municipal (que substituirão, respectivamente, o ICMS e ISS)”.
Mas eles lembram que haverá um mitigador desse aumento. A Lei Complementar 214/2025 (LC 214/25), no artigo 256, dispõe que as alíquotas aplicáveis às operações regidas pelo regime específico imobiliário serão reduzidas em relação à alíquota padrão do IBS e da CBS (redução de 50% na alienação de imóveis e de 70% na locação de bens imóveis). “Essas reduções visam compensar, ao menos parcialmente, a ampliação da base de incidência promovida pela Reforma Tributária.”
O futuro do RET e o regime alternativo previsto pela Lei Complementar 214/25 (LC 214/25)
O RET não deixará de existir após a entrada em vigor da CBS e do IBS. E, para minimizar os efeitos da reforma sobre as empresas que aderiram ao RET, a Lei Complementar 214/25 prevê um regime alternativo – por meio dele, ainda será possível fazer o recolhimento unificado dos tributos, com alíquota reduzidas de CBS (2,08% ou 0,53% da receita mensal recebida, a depender da existência de interesse social dos imóveis residenciais). Trata-se, na verdade, de um regime de transição, válido para empresas que tenham optado pelo RET antes de 01/01/2029, com seus loteamentos registrados até essa data.
“O regime alternativo previsto pela Reforma Tributária na LC 214/2025 não se resume a um único modelo, mas compreende múltiplas regras específicas e transitórias voltadas à realidade do setor imobiliário, dada a complexidade das suas operações, a existência de contratos de longa duração e a necessidade de compatibilização entre as regras anteriores (como o RET) e o novo sistema tributário”, explicam Mareque e Moitinho.
Braichi e Guimarães dizem que o objetivo do regime temporário é o de garantir segurança jurídica aos empreendimentos já em andamento ou planejados para o curto prazo – por isso, será aplicável para as incorporações iniciadas antes de 2029. Ele veda a apropriação de créditos (§ 2º) e a dedução dos redutores de ajuste previstos no regime alternativo permanente (§ 3º). “Trata-se, portanto, de um mecanismo de transição que preserva, para empreendimentos específicos, a lógica do atual RET durante o período de implementação gradual da reforma tributária.”
Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz e do Vieira Rezende abordam as mudanças trazidas pela Reforma Tributária para empresas do setor imobiliário. Para saber mais sobre o que muda para pessoas físicas e jurídicas que alugam imóveis, assista também ao encontro O que muda na locação de imóveis com a Reforma Tributária, do Legislação & Debates.
Hoje, a maioria das empresas do setor imobiliário (incorporadoras, loteadoras e locadoras de imóveis) opera sob qual regime: cumulativo ou não-cumulativo? O Regime Especial de Tributação (RET), por exemplo, é de qual tipo?
Em nossa experiência, a maior parte das pessoas jurídicas do setor imobiliário opera sob o regime tributário cumulativo para PIS e COFINS, e estão sujeitas à alíquota conjunta de 3,65% incidente sobre sua receita bruta (Lei nº 9.718/1998).
O Regime Especial de Tributação, conhecido como RET (Lei nº 10.931/2004), é um regime considerado como cumulativo e unificado, porque permite às incorporadoras o recolhimento de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS a uma alíquota única de 4% sobre as receitas mensais recebidas. Por ser um regime que não permite o aproveitando de créditos dos tributos pagos em etapas anteriores da cadeia produtiva, o RET é definido como um regime cumulativo.
Dessa forma, mesmo os contribuintes cujos empreendimentos estão sujeitos ao RET acabam por serem tributados em sistemática cumulativa, sem o aproveitamento de créditos.
Atualmente, a maioria das empresas do setor imobiliário opera sobre o regime cumulativo, efetuando o recolhimento do PIS e da COFINS às alíquotas de 0,65% e 3%, respectivamente, sobre a receita bruta da pessoa jurídica, sem direito a creditamento. No Regime Especial de Tributação (RET), que é um benefício fiscal aplicável às incorporações imobiliárias que estejam submetidas ao patrimônio de afetação, aplica-se o regime cumulativo, tendo em vista que a incorporadora ficará sujeita ao pagamento mensal equivalente à 4% das receitas mensais recebidas, que corresponderá ao pagamento unificado de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sem direito a creditamento.
A Reforma Tributária é baseada na não-cumulatividade de tributos, enquanto parte do setor imobiliário opera com base no regime cumulativo. A mudança de regime implica em uma grande adaptação para o setor imobiliário? Já é possível avaliar se a reforma trará aumento, manutenção ou redução da carga para o setor?
Como mencionado, a Reforma Tributária foi baseada na não-cumulatividade dos novos tributos (IBS e CBS), e representa uma mudança estrutural relevante para o setor imobiliário, que atualmente opera de forma majoritária sob o regime cumulativo. Por esse motivo, a adaptação dos players desse mercado será substancial, exigindo das pessoas jurídicas a implementação de controles contábeis e fiscais para apuração de créditos e débitos, bem como ajustes nos modelos de negócio e até precificação de imóveis e aluguéis.
Com relação aos impactos possíveis, a LC nº 214/2025 prevê regime específico para o setor imobiliário (conforme art. 252 e seguintes), com a aplicação de Redutor Social nas alienações de imóveis e Redutor de Ajustes nas operações de locação de imóveis, além de mecanismos de transição, na tentativa de neutralizar aumentos abruptos da carga tributária.
No entanto, entendemos que o impacto real será variável de acordo com o contribuinte e com a finalidade do uso das edificações (se residenciais ou não). Por exemplo, para incorporadoras que atualmente têm empreendimentos sujeitos ao RET e que recolhem os tributos a uma alíquota de 4%, entendemos que haverá relevante aumento em comparação com o regime regular de IBS e CBS.
A não-cumulatividade representa um dos pilares fundamentais do modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que serviu de referência para a instituição do IBS e da CBS. No entanto, quando se trata de operações do setor imobiliário, a aplicação direta do sistema convencional de creditamento revela-se ineficaz ou de difícil implementação. Isso ocorre devido às particularidades dessas transações, nas quais os insumos utilizados nem sempre se relacionam de maneira direta e identificável com futuras operações tributadas.
Diante desse fato, o legislador optou por adotar uma solução distinta que reproduz os efeitos da não-cumulatividade no setor imobiliário: o chamado redutor de ajuste. Essa ferramenta funciona, na prática, como uma dedução proporcional da base de cálculo, permitindo que apenas o valor efetivamente agregado na venda do imóvel seja submetido à tributação.
Conforme previsto no artigo 257 da Lei Complementar nº 214/2025, o redutor de ajuste será associado individualmente a cada imóvel de titularidade do contribuinte enquadrado no regime regular do IBS e da CBS. A finalidade desse mecanismo é diminuir a base de cálculo nas operações de venda de imóveis, com o intuito de evitar a incidência de tributos sobre valores que já tenham sido tributados em fases anteriores da cadeia. Em linhas gerais, o redutor de ajuste é composto pelo valor inicial de aquisição do imóvel e do valor do ITBI pago na aquisição; dentre outros.
Com as novas regras aplicáveis ao setor imobiliário, que passarão a ser tributados pelo IBS e CBS, naturalmente haverá a necessidade de adaptações à nova sistemática, mas que não parecem ter uma complexidade excessiva.
Em relação ao aumento, manutenção ou redução da carga tributária, é preciso destacar que a expectativa é que exista um aumento, especialmente porque, no regime anterior, não incidiam o ICMS e o ISS sobre as operações imobiliárias, sendo que, com o novo regime, incidirá o IBS estadual e municipal (que substituirão, respectivamente, o ICMS e ISS). Apesar disso, cumpre destacar que a LC 214/2025, no artigo 256, prevê que as alíquotas aplicáveis às operações regidas pelo regime específico imobiliário serão reduzidas em relação à alíquota padrão do IBS e da CBS (redução de 50% na alienação de imóveis e de 70% na locação de bens imóveis). Essas reduções visam compensar, ao menos parcialmente, a ampliação da base de incidência promovida pela reforma tributária.
No que consiste o regime alternativo, previsto pela Reforma Tributária (LC 214/25) para as empresas do setor imobiliário? Trata-se de uma espécie de regime de transição até a implementação plena da reforma?
De forma geral, os artigos 252 a 260 da LC nº 214/2025 estabelecem o tratamento tributário de operações com bens imóveis para apuração de IBS e CBS.
Adicionalmente, o regime considerado “alternativo” é aquele previsto no art. 485 e seguintes da LC nº 214/2025, criado para o momento de transição da Reforma Tributária, de forma a mitigar os impactos nas incorporações imobiliárias submetidas ao RET (e que tenham optado pelo RET antes de 01/01/2029, com seus loteamentos registrados até essa data). Esse regime permitirá a continuidade de recolhimento unificado dos tributos, com alíquota reduzidas de CBS (2,08% ou 0,53% da receita mensal recebida, a depender da existência de interesse social dos imóveis residenciais).
Este re gime especial de transição do artigo 485 será temporário, e aplicável apenas às incorporações iniciadas antes de 2029, com objetivo de garantir segurança jurídica aos empreendimentos já em andamento ou planejados para o curto prazo. Conforme estabelece expressamente o § 1º do artigo 485, a opção por este regime “afasta qualquer outra forma de incidência de IBS e CBS sobre a respectiva incorporação”, vedando a apropriação de créditos (§ 2º) e a dedução dos redutores de ajuste previstos no regime alternativo permanente (§ 3º). Trata-se, portanto, de um mecanismo de transição que preserva, para empreendimentos específicos, a lógica do atual RET durante o período de implementação gradual da reforma tributária.
Além disso, para as operações de locação, também há regime tributário especial durante a transição da Reforma Tributária, permitindo que o IBS e a CBS sejam calculados com base na receita bruta recebida pelo contribuinte. Para aquelas locações com fins não residenciais, o regime alternativo proposto no art. 487 da LC nº 214/2025 será aplicado exclusivamente durante o prazo original do contrato de locação, desde que este tenha sido firmado até 16/01/2025 (devendo esta data ser comprovada por meio de firma reconhecida ou por meio de assinatura eletrônica, e o contrato seja registrado em cartório ou disponibilizado à Receita Federal e ao Comitê Gestor do IBS até 31/12/2025). Por outro lado, para contratos com fins residenciais, esse tratamento tributário será aplicável pelo prazo original do contrato ou até 31/12/2028, o que ocorrer primeiro.
O regime alternativo previsto pela Reforma Tributária na LC 214/2025 não se resume a um único modelo, mas compreende múltiplas regras específicas e transitórias voltadas à realidade do setor imobiliário, dada a complexidade das suas operações, a existência de contratos de longa duração e a necessidade de compatibilização entre as regras anteriores (como o RET) e o novo sistema tributário.
No caso das incorporações imobiliárias submetidas ao RET, por exemplo, a LC 214/25 criou uma regra transitória expressa (art. 485), permitindo que empreendimentos com patrimônio de afetação e opção pelo RET até 31 de dezembro de 2028 possam permanecer no regime anterior até a conclusão do projeto. Durante esse período, os tributos serão recolhidos com base em alíquotas semelhantes às do RET, preservando a sistemática de 4% sobre a receita (sendo 2,08% de IBS e CBS e 1,92% de IRPJ e CSLL). Nessa hipótese, não serão aplicados o redutor de ajuste ou social.
Já no caso de locações não residenciais, o contribuinte poderá adotar o regime de transição apenas nas hipóteses em que o contrato for de prazo determinado, firmado até a data da publicação da lei, com assinatura comprovada por firma reconhecida ou assinatura eletrônica válida, e registrado até 31 de dezembro de 2025. Se essas condições forem atendidas, o contribuinte poderá recolher IBS e CBS com alíquota total de 3,65% sobre a receita bruta recebida, durante o prazo original do contrato.
Por fim, nos contratos de locação residencial, também será possível adoção de regime transitório. Os requisitos são semelhantes aos da locação não residencial, com o prazo do benefício sendo o menor entre o prazo original do contrato ou 31 de dezembro de 2028. A alíquota aplicável nesse período será igualmente de 3,65% sobre a receita bruta recebida. Trata-se, mais uma vez, de uma alternativa vantajosa em relação ao novo regime geral, mas que exige formalização e documentação adequada do contrato para ser válida.
Portanto, sim, o regime alternativo previsto na LC 214/25 compreende, em boa parte, regras de natureza transitória, voltadas a permitir uma adaptação progressiva do setor à nova sistemática de tributação. Essas regras não são definitivas, mas representam mecanismos de transição que visam preservar a segurança jurídica, reduzir impactos abruptos e respeitar a continuidade de contratos celebrados sob o regime anterior.
Quais aspectos precisam ser analisados pelas empresas do setor para optar ou não pelo regime alternativo?
Nesse contexto, entendemos que para optar pelos regimes alternativos da LC nº 214/2025, devem ser considerados aspectos operacionais como: (i) a complexidade administrativa de cada regime, sendo o alternativo potencialmente mais simples por não exigir controle detalhado de créditos e (ii) o fluxo de caixa, tendo em vista a tributação pela receita bruta recebida no regime alternativo.
Além disso, é possível dizer que a regra de transição permite uma maior previsibilidade para o setor imobiliário – tendo em mente que o setor envolve contratos de longo prazo e uma ampla base de clientes, o que poderia dificultar a viabilidade de projeto ou exigir negociações complexas.
Os principais aspectos a serem analisados devem ser o impacto da carga tributária nas diferentes opções e a simplicidade na apuração das diferentes sistemáticas de apuração dos tributos.
Fonte: Legislação e Mercados