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Incidência de ITCMD em operações de permuta: a nova tese do fisco paulista 

Incidência de ITCMD em operações de permuta: a nova tese do fisco paulista

Nova interpretação da Sefaz acende alerta para segurança jurídica de operações imobiliárias e societárias no estado de SP 

Uma nova interpretação da Secretaria da Fazenda e Planejamento paulista, formalizada na Resposta à Consulta Tributária 31.158/2025, acende um alerta para a segurança jurídica de operações imobiliárias e societárias realizadas no estado de São Paulo. 

Por meio da referida Resposta à Consulta, publicada em fevereiro de 2025, a Sefaz-SP sustenta que uma permuta de imóveis, mesmo sem contrapartida financeira (torna), pode ser requalificada como uma doação parcial caso os valores venais de referência dos bens sejam divergentes, sujeitando a diferença ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). A posição é vinculante para os auditores fiscais do estado. 

O caso concreto que motivou a consulta envolve uma incorporadora de imóveis que permutou duas frações ideais de imóveis em construção por um apartamento pronto. Na escritura pública, as partes, em comum acordo, atribuíram o valor de R$ 145 mil aos imóveis permutados. 

O conflito surgiu quando o Cartório de Registro de Imóveis apontou haver discrepância entre os valores venais de referência, isto é, aquela estimativa de preço adotada pelo Poder Público para transações envolvendo imóveis. Com base nessa divergência, o cartório exigiu a comprovação do recolhimento de ITCMD, presumindo haver acréscimo patrimonial a título gratuito. 

A Consultoria Tributária da Sefaz validou o entendimento do cartório e fixou entendimento no sentido de que a permuta envolvendo imóveis de diferentes valores, realizada sem a devida compensação financeira, caracteriza uma doação, sujeita ao ITCMD em relação às diferenças de valores existentes entre os imóveis, sendo considerado contribuinte do imposto aquele que recebeu em permuta o imóvel de maior valor. 

Parece-nos que a posição da Sefaz-SP é juridicamente insustentável por duas razões centrais. 

Primeiro, ela desvirtua a natureza dos contratos. A permuta é, por essência, um negócio jurídico bilateral, oneroso e comutativo, no qual as partes, no exercício de sua autonomia privada, consideram os bens trocados como equivalentes para seus próprios fins (art. 533, Código Civil). 

A doação, em contrapartida, é definida pela liberalidade, um elemento subjetivo e volitivo conhecido como animus donandi (art. 538, Código Civil). Esse ânimo de doar, a intenção de beneficiar gratuitamente, é a causa do contrato, e não pode ser presumido. 

A tese da Sefaz, ao criar uma presunção de doação a partir de uma simples diferença matemática entre valores de referência, aniquila a exigência do animus donandi e, com isso, substitui um requisito legal por uma conveniência arrecadatória. 

Segundo a interpretação anula o elemento central do fato gerador do ITCMD: a gratuidade. A doação exige um ato de benevolência, uma transferência patrimonial sem contraprestação. A decisão da Sefaz-SP, ao ignorar a natureza comercial e onerosa da permuta, cria uma ficção para tributar uma transmissão que não é gratuita, extrapolando sua competência constitucional. 

Essa ofensiva fiscal não é inédita. Ela parece ter inspiração na longa batalha travada pelos contribuintes contra os municípios a respeito da base de cálculo do ITBI, o imposto municipal sobre transmissão onerosa de propriedade imóvel. 

Nessa discussão, os fiscos municipais tentam impor seus “valores de referência” como parâmetro para a cobrança do ITBI, muitas vezes em detrimento do valor real da transação. A controvérsia foi definitivamente pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Tema Repetitivo 1.113 (REsp 1.937.821/SP), cuja decisão foi posteriormente chancelada pelo Supremo Tribunal Federal. 

O precedente é paradigmático. O STJ não apenas definiu que a base de cálculo do ITBI é o valor da transação, mas também consagrou a presunção de boa-fé do contribuinte, afirmando que o valor declarado só pode ser afastado pelo fisco mediante a instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN). A corte vedou, de forma expressa, a adoção de valores de referência unilaterais. 

A gravidade da nova tese da Sefaz-SP reside na escalada da sua pretensão. Se na disputa do ITBI o fisco buscava apenas majorar a base de cálculo sobre a qual se calcula o imposto municipal em transmissões onerosas, agora a ambição é mais ampla. Trata-se de requalificar a própria natureza do contrato para criar, artificialmente, o fato gerador de um imposto distinto, convertendo um negócio oneroso em um ato de liberalidade potencialmente sujeito ao ITCMD. 

Essa manobra representa um risco sistêmico para planejamentos patrimoniais e operações imobiliárias. Abre-se a porta para que o fisco estadual, valendo-se da mesma lógica, passe a questionar qualquer operação onerosa — de uma reorganização societária a uma transação comercial complexa — cuja equivalência econômica, segundo suas próprias tabelas, não seja matematicamente perfeita. 

Ignora-se a autonomia da vontade, a boa-fé e a própria realidade do mercado, onde a equivalência de um negócio é definida por quem o realiza. Na nossa visão, essa posição da Sefaz deve ser questionada judicialmente pelos contribuintes, com boas chances de êxito, pelas razões acima explicadas. 

Fonte: JOTA 

 

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