Decisões do STF sobre vínculo geram debate sobre diferença entre PJ e terceirizado
Para conselheiro da OAB-PR, STF está gerando ‘tremenda insegurança jurídica’ ao acolher reclamações contra decisões trabalhistas
A divergência entre as decisões da Justiça do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação às novas modalidades de trabalho e reconhecimento de vínculo empregatício abriu um novo campo de debate no mundo do Direito. Para José Lúcio Glomb, advogado e membro honorário vitalício do Conselho da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), ao dar provimento às ações que derrubam o vínculo empregatício, o Supremo criou ”um problema para si mesmo”.
Para Glomb, se a questão não for corrigida, tomará grandes proporções a ponto de colocar em risco a própria existência da Justiça do Trabalho e do sistema previdenciário, além de abarrotar a Suprema Corte. Em painel na 8ª Conferência da Advocacia Paranaense, no qual foram debatidas as decisões do STF e seus impactos na Justiça do Trabalho, o advogado considerou que, nesses casos, o STF não está observando à risca as suas próprias decisões.
Em sua opinião, as decisões e votos dos ministros focaram na terceirização de todas as atividades empresariais e não trouxeram a debate outra questão, que é a prestação de serviços pessoais por meio de pessoa jurídica. Segundo Glomb, estes são os casos em que há profusões de reclamações junto ao STF, pois ”alguns ministros estão confundindo essa situação com a terceirização”.
Ele afirma que o número de reclamações trabalhistas recebidas no Supremo é alto justamente ”porque os tribunais do trabalho estão reconhecendo a relação de emprego entre pessoas jurídicas e o tomador de serviços”. ”Por quê? Porque existe todo um arcabouço através da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que estabelece quem é o empregado, quem é o empregador e quais são os casos que podem acontecer fraude. E o que acontece se houver fraude?”, questiona.
”O que a Justiça do Trabalho faz é verificar se estão preenchidos os requisitos da relação de emprego, como subordinação, trabalho pessoal, serviços não eventuais, onerosidade. Há situações em que não há relação de emprego configurada e outras em que essa relação empregatícia existe”, completa.
Glomb argumenta que é neste contexto em que se dá a razão da confusão, uma vez que nestes casos há a determinação da aplicação do art. 9 da CLT e, de acordo com ele, o STF parece não ter entendido essa questão. ”Eles [os ministros] acolhem reclamações que não tratam de terceirização e passam a cancelar decisões da Justiça do Trabalho que não são de terceirização”, prosseguiu.
”O STF está trazendo tremenda insegurança jurídica ao acolher algumas reclamações sobre esse tema, e a maioria são sobre isso. A seguir esse caminho, o STF acaba por ofender a Constituição pela qual deve zelar, pois retira a competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114 da Constituição”, declarou. De acordo com Glomb, se a Justiça do Trabalho não puder examinar as situações de fato que lhe são submetidas, ela terá o seu fim, e sua extinção será uma ”questão de tempo”.
”Tecnicamente, jamais o STF poderia acolher essas reclamações, cancelando decisões baseadas em instrução processual, com provas. É bem verdade que alguns ministros vêm rejeitando reclamações, quando há necessidade de reexame de provas e fatos. Mas outros passam por cima disso”, ressalta Glomb.
Outro fator mencionado por Glomb para que as ações do STF gerem uma insegurança jurídica se dá pelo fato de que as decisões fundamentadas em prova, sedimentadas ao longo de anos de tramitação processual, são canceladas em poucas horas, muitas vezes sem sequer se dar conhecimento da reclamação à parte interessada. ”O problema foi criado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que deverá resolver isto com a maior urgência. O Supremo não pode ser revisor da Justiça do Trabalho nessas matérias”, conclui.
Ativismo Judicial
Na manhã desta sexta-feira (27/10), os juristas Daniel Sarmento e Gustavo Binenbojm debateram a caracterização do ativismo judicial e os seus reflexos para o contexto jurídico brasileiro. Sarmento partiu da concepção que a Constituição de 1988 criou mecanismos para que houvesse uma intensa judicialização da política, além de uma condição ambiciosa que contribui para que os órgãos e as instituições desejem o poder.
”Na medida em que a composição da Corte foi se alterando, os ministros foram ganhando mais poder e foram gostando disso. E as pessoas, os partidos, as entidades da sociedade civil, também aprenderam o caminho”, ponderou.
Sarmento ainda parte do pressuposto que o grande problema do Supremo hoje tem menos a ver com judicialização da política, que muitas vezes é associada a ativismo judicial, e mais a ver com a politização da Justiça.
”É fundamental que quando a sociedade olhe para uma instituição como o Supremo Tribunal Federal, veja ali pessoas que podem estar em desacordo algumas com as outras, podem estar adotando decisões contramajoritárias, decisões que desagradam a sociedade, que são do papel do Supremo adotar decisões contramajoritárias, notadamente para proteger direitos de minorias, mas que veja como uma instância de aplicação do direito da Constituição e não como uma política partidária travestida”, assinalou Sarmento.
Além disso, ele acredita que a relação entre ministros do STF e o meio político tem contribuído para difundir na sociedade uma certa compreensão de que o Supremo atua muito de acordo com a gramática política. ”E uma instituição, numa democracia, mesmo que ela não seja, não tenha uma conta direta para o povo, não vota para ministro do Supremo, é muito importante que ela tenha legitimidade política, que a sociedade olhe para aquela instituição e enxergue naquela instituição a legitimidade”, argumentou.
Sarmento também acredita que a proximidade do STF com a política hoje, de alguma maneira, está desgastando a legitimidade da Corte, mas que ainda assim, o Supremo tem desempenhado um papel importante para que o Brasil continue como uma democracia.
Já Gustavo Binenbojm avalia que, no contexto brasileiro, a judicialização tem assumido, em algumas situações, um caráter ”quase dramático”, e que no plano das políticas públicas, o país é viciado na judicialização. Ele reconhece que, tanto o Supremo quanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem um papel importante segurando o bastão da democracia, mas que é chegada a hora do STF ”voltar para a casinha da atuação jurisdicional”.
”O STF é uma Corte de Justiça, não é bom para nenhum cidadão, não é bom para a democracia que o Supremo seja percebido como uma casa política e atue de acordo com as conveniências políticas do momento. Aqui não é uma crítica específica e individual a nenhum ministro, mas é sim uma crítica coletiva à percepção que a sociedade tem de que o Supremo vai se ajeitando de acordo com as circunstâncias políticas do momento”, analisou.
Fonte: JOTA