Juíza de Vitória reconhece motorista de Uber como trabalhador intermitente
Modalidade foi introduzida pela reforma trabalhista e prevê que funcionário seja acionado e pago por serviços
A juíza Anna Beatriz Matias Diniz de Castilhos Costa, da 7ª Vara do Trabalho de Vitória (ES), reconheceu a existência de vínculo empregatício entre um motorista de aplicativo e a Uber do Brasil Tecnologia na modalidade de trabalho intermitente, conforme previsão do art.452-A da CLT, introduzido pela reforma trabalhista. Assim, a empresa foi condenada a pagar direitos que constam na CLT, como 13º salário, férias e FGTS. A decisão é da última quinta-feira (25/8).
A CLT define como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade – parágrafo 3º do artigo 443º.
A legislação trabalhista estabelece, para caracterizar a relação mais convencional, a necessidade de estarem presentes: subordinação, onerosidade, pessoalidade e habitualidade.
Para a juíza Anna Beatriz de Castilhos Costa, na relação entre a Uber e os motoristas, não há que se falar no vínculo usual de trabalho definido pela CLT, com prazo indeterminado. Isso porque, segundo ela, são “inexistentes a subordinação e a habitualidade, no grau e na medida necessária para configurar vínculo tradicional de emprego por contrato escrito, verbal ou tácito de trabalho por prazo indeterminado”.
Porém, para ela, há os elementos necessários para caracterizar o modelo de trabalho intermitente. No caso intermitente, a subordinação e a habitualidade seriam mais flexíveis, já que não é necessário estar à disposição de forma fixa.
No trabalho intermitente, o empregador convoca o empregado para a prestação de serviços por qualquer meio de comunicação eficaz – o artigo 452-A da CLT fala que isso deve acontecer com, no mínimo, três dias de antecedência. Então o empregado tem até um dia para responder à solicitação; se não o fizer, é como se tivesse recusado, automaticamente.
O trabalhador pode recusar a oferta, o que não descaracteriza a subordinação. Caso ele aceite, mas não cumpra o serviço, deve pagar 50% do valor da remuneração acordada, que não pode ser inferior ao salário mínimo por hora. O período em que está inativo não é considerado tempo à disposição e o trabalhador pode, enquanto isso, prestar serviços a outros.
Além disso, fica estabelecido que, logo após a realização daquele período de trabalho, o empregado deve receber a remuneração, além das parcelas proporcionais de férias, 13º salário e folgas remuneradas.
A juíza usa como elemento para caracterizar a habitualidade o fato de que a empresa convoca motoristas de forma ilimitada e permanente, por isso “é manifesta a expectativa de continuidade da prestação de serviços por qualquer motorista que se cadastre do aplicativo, bastando aceitação das convocações”.
Além disso, iria no mesmo sentido o fato de o motorista ter prestado serviços por dez meses, com remuneração semanal de R$ 500 em média. E a exigência de haver cadastro do profissional com a empresa, sem que ele possa ser substituído por outra pessoa, o que indicaria haver pessoalidade.
Em relação à subordinação, ela aponta que, embora o motorista pudesse escolher os próprios horários e até se ausentar do posto, havia outros elementos de fiscalização e controle pela empresa, como a análise constante pela Uber sobre a capacidade técnica, perícia e observância das normas de trânsito pelo condutor, bem como de seu relacionamento com os clientes.
“A fiscalização do trabalho do uberista é também realizada através da obrigatória avaliação dos motoristas pelos usuários, ao final de cada corrida encerrada”, aponta ela. “Com base nas avaliações, os motoristas podem, inclusive, serem banidos da plataforma e terem seus vínculos de emprego encerrados”, escreve.
O mesmo vale para as taxas cobradas por cancelamentos e outras penalidades, que funcionariam como metas. Esses pontos são usados para refutar o argumento da empresa de que os motoristas não seriam trabalhadores intermitentes, mas autônomos.
Além disso, não seria possível compreender esses motoristas como autônomos pois eles não têm o poder para negociar com os passageiros o valor da corrida e não estabelecem os próprios preços, já que é a própria Uber que tem essa gerência.
Para a magistrada, o motorista “não era um autêntico profissional autônomo e sim um trabalhador subordinado, embora sob um novo contexto de revolução tecnológica, economia de compartilhamento, economia 4.0 e outros nomes pomposos”.
Ela também rejeitou a argumentação da Uber de que não é empresa de transporte, e sim de tecnologia e apenas media a conexão entre motoristas autônomos e passageiros. Provas disso seriam, por exemplo, que é a empresa que responde quando há queixas dos consumidores e é também ela quem emite nota fiscal pelo serviço de transporte.
O processo tramita no Tribunal Regional da 17ª Região (TRT17), no Espírito Santo, com o número 0001089-09.2021.5.17.0007.
Posicionamento da Uber
A Uber afirma em nota que “vai recorrer da decisão proferida pela 7ª Vara do Trabalho de Vitória, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros processos já julgados no próprio Tribunal e no Tribunal Superior do Trabalho”.
A empresa cita decisão de dezembro de 2021 da 5ª Vara do Trabalho de Vitória que menciona 12 fatos que atestariam a inexistência do vínculo de emprego entre motoristas e a Uber (como não haver exigência de número mínimo de corridas e os motoristas não passarem por processo seletivo) para afastar a ideia de subordinação.
“Além de não existir subordinação jurídica de motoristas parceiros com a Uber, também não se aplicam outros requisitos legais da modalidade de trabalho intermitente, como a definição prévia de jornada e a multa por desistência”, diz a nota.
Em relação ao trabalho intermitente, a Uber aponta as disposições da CLT de que “o empregador deve convocar o funcionário e informar a jornada de trabalho a ser cumprida com pelo menos três dias de antecedência, e pode aplicar multa em caso de descumprimento, condições que são totalmente incompatíveis com o sistema de intermediação dinâmico e flexível operado pela Uber”.
A empresa também destaca os antecedentes contra o reconhecimento de vínculo de emprego. “Nos
últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos requisitos legais para existência de qualquer tipo de vínculo empregatício”, afirma.
Fonte: JOTA