O perfil dos requerentes de processos de recuperação judicial no RS
Empresas de médio e grande porte concentram maior frequência, aponta estudo
Em recente estudo desenvolvido pelo Observatório da Insolvência, iniciativa da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), com apoio do NEPI (PUC-SP), da PUC-RS e do TJRS, além da colaboração de escritórios atuantes na área, foram objeto de análise empírica os processos de recuperação judicial distribuídos entre 2010 e 2020 no Rio Grande do Sul, que serviram para a construção de uma base de dados específica utilizada para a realização de análise estatística dos referidos processos.
A pesquisa jurimétrica é uma ferramenta extremamente relevante ao passo que permite, através do estudo estatístico e empírico de casos, estabelecer métricas quantitativas das principais etapas e características de processos de recuperação judicial.
O estudo pioneiro do Observatório da Insolvência foi desenvolvido em 2016 considerando informações apenas de processos de recuperação judicial distribuídos na Comarca de São Paulo, tendo sido posteriormente realizado relatório com abrangência em todo o estado de São Paulo (2018). A primeira expansão do estudo foi realizada no Rio de Janeiro, tendo sido publicado relatório com a análise de processos distribuídos em todo o estado (2021).
Assim, a partir dos resultados do Observatório da Insolvência do Rio Grande do Sul (2022), serão apresentadas algumas considerações a respeito do perfil dos requerentes de processos de recuperação judicial, traçando, na medida do possível, comparações entre o recente estudo publicado e os relatórios desenvolvidos nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Inicialmente, com relação ao porte das empresas que entram com pedidos de recuperação judicial, o estudo do Observatório da Insolvência do Rio Grande do Sul apontou que empresas de médio e grande porte concentram maior frequência entre os requerentes, representando 59,2% dos pedidos de recuperação judicial analisados.
Em comparação, o perfil dos requerentes em São Paulo e no Rio de Janeiro foi igualmente mais frequente entre empresas de médio e grande porte, representando 52,7% e 55,6% respectivamente.
Nos três estudos, a análise do tamanho das requerentes foi realizada conforme o faturamento bruto operacional total anual da sociedade ou sociedades que figurassem no polo ativo da demanda. Assim, de acordo com o estudo que considerou os processos analisados no Rio Grande do Sul, verificou-se que a maior incidência de casos está concentrada em requerentes com faturamento anual de até 1 milhão (40,2%), seguido de requerentes com faturamento anual de 1 e 5 milhões (24,2%).
Considerando o critério faturamento, é possível observar variação em comparação ao perfil dos requerentes apurados em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em ambos os casos se verificou maior frequência de requerentes entre empresas que apresentavam faturamento anual entre R$ 10 e R$ 50 milhões (sendo 30,8% dos casos em São Paulo e 27,2% no Rio de Janeiro).
Traçado o perfil dos requerentes a partir do critério faturamento bruto anual, indispensável para a
análise estabelecer uma comparação a partir do passivo apresentado nos pedidos de recuperação judicial, conforme informações contábeis disponibilizadas nos processos analisados.
Em observância ao passivo dos requerentes, no estudo do RS observou-se maior frequência de devedores que apresentaram passivo de R$ 1 milhão a 5 milhões (35%), seguido de casos em que o endividamento apurado estava entre R$ 10 milhões e 50 milhões (31,4%).
Por outro lado, o estudo realizado em SP apontou maior frequência de pedidos de recuperação judicial entre devedores com passivo entre R$ 10 milhões e R$ 50 milhões (15,9%), sendo igualmente no RJ a maior frequência nos casos de R$ 10 milhões e R$ 50 milhões (18,8%).
Em consideração aos dados apresentados nos três estudos, verificou-se que a relação entre ativo e passivo das empresas requerentes acompanham um ao outro de forma simétrica, indicando valores muito próximos, de tal forma que o seu patrimônio líquido tende a zero.
Os resultados foram obtidos através dos dados disponibilizados no balanço do último ano fiscal completo antes do pedido de recuperação judicial, considerando a comparação entre o total do ativo circulante e não circulante com o passivo sujeito e não sujeito à recuperação judicial, desconsiderando o valor do patrimônio líquido. Nesse contexto, indicando que, em geral, o ativo e o passivo total acompanham um ao outro de forma simétrica.
Em decorrência da ausência de ativos suficientes frente ao passivo, parece correto concluir que o patrimônio líquido tendente a zero tenha gerado esgotamento na obtenção de crédito, obrigando o devedor a buscar meios alternativos de solução, dentre eles a judicialização por meio de procedimento de recuperação judicial.
A necessidade de obtenção de dinheiro novo induz a que seja recorrente a busca por alienar ativos ou obter financiamentos junto a terceiros, inclusive durante o procedimento de recuperação judicial, como meios fundamentais para soerguimento e reestruturação do passivo. Muito embora não tenha sido objeto dos estudos jurimetricos os tópicos específicos relativos a alienações e financiamentos durante a recuperação judicial, cumpre destacar a existência de dados que indicam a previsão de venda de UPI nos planos de recuperação judicial de acordo com o art. 60 da Lei 11.101/2005, sendo em SP a frequência de 38,7%, no RJ de 38,4% e no RS de 13,8% dos casos analisados.
Após a reforma da Lei 11.101/2005, por meio da Lei 14.112/2020, em caso de falência da empresa recuperanda, o financiador passou a constar em segundo lugar na ordem de preferência de pagamentos entre os extraconcursais, ficando atrás apenas dos credores de natureza estritamente salarial (LREF, arts. 84, I-A e 151). Ou seja, o crédito do financiador deverá ser pago antes dos credores de restituição em dinheiro e de todos os demais créditos extraconcursais, o que se mostra um sensível avanço legislativo a fim de propiciar melhor e mais seguro ambiente para que a recuperanda obtenha crédito para financiar sua atividade.
Em suma, a pesquisa jurimétrica apontou, através do estudo estatístico e empírico dos processos de recuperação judicial em trâmite nos estados de SP, RJ e RS, características importantes do perfil dos devedores e de seu endividamento, servindo como ferramenta comparativa da realidade entre os estados pesquisados.
Assim, a relevância dos resultados e indicadores não importam apenas aos operadores do direito, mas podem e devem servir para influenciar o mercado e, principalmente, empresas e empresários no momento da tomada de decisão, a fim de prevenir e, eventualmente, antecipar etapas importantes para o enfrentamento da crise.
Fonte: JOTA