Coisa julgada: sem modulação, empresas têm dúvidas sobre juros e multa
Também há decisões contrárias. Advogados entendem que questões devem ser esclarecidas pelo STF e pelo Fisco
O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que os efeitos da decisão pela quebra automática da coisa julgada devem ser retroativos abriu um leque de dúvidas para empresas que serão obrigadas a voltar a pagar tributos antes julgados inconstitucionais. Entre os questionamentos está a necessidade de os contribuintes pagarem ou não juros e multa sobre os débitos do passado.
Essa obrigação pode impactar na decisão das empresas de pagar espontaneamente o tributo, com o afastamento de multa, ou esperar a autuação do Fisco e uma eventual discussão dos débitos na via administrativa.
Advogados ouvidos pelo JOTA entendem que essas questões devem ser esclarecidas não só pelo STF, no julgamento de embargos de declaração, mas também pelo Fisco, com orientações sobre o pagamento. Em matéria publicada no dia do julgamento, o JOTA mostrou que os contribuintes estudam rediscutir novamente, por meio de embargos de declaração, a modulação de efeitos em si, em uma nova tentativa de que a cobrança seja feita apenas a partir de 2023.
Entenda a discussão sobre a coisa julgada no STF
Na quarta-feira da semana passada (8/2), o STF decidiu, por unanimidade, que um contribuinte que obteve uma decisão judicial favorável com trânsito em julgado permitindo o não pagamento de um tributo perde automaticamente o seu direito diante de um novo entendimento do STF que considere a cobrança constitucional. O julgamento foi objeto do RE 94.9297 e do RE 955.227, elencados nos Temas 881 e 885 da repercussão geral.
No entanto, os ministros negaram, por 6 a 5 votos, o pedido de modulação de efeitos formulado pelos contribuintes. O pleito das empresas era para que a decisão do STF pela cessação dos efeitos da coisa julgada valesse a partir da publicação da ata de julgamento de mérito dos recursos. Na prática, isso permitiria que a União cobrasse o tributo apenas a partir de 2023. Com a negativa, a cobrança da CSLL poderá ser retroativa a 2007, quando a contribuição foi julgada constitucional pelo STF na ADI 15. No caso de empresas que forem autuadas a partir de agora, a cobrança deverá respeitar o prazo decadencial, o que permite a cobrança retroativa apenas nos últimos cinco anos.
Denúncia espontânea
Agora, advogados tributaristas e empresas debatem a melhor estratégia para pagar a dívida. Leonardo Gallotti Olinto, sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, afirma que, diante da dúvida sobre as penalidades a serem aplicadas, uma das possibilidades é a denúncia espontânea prevista no artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN). Segundo esse dispositivo, o contribuinte pode, antes do início de procedimento administrativo ou medida de fiscalização, confessar o débito e pagar o valor devido e juros de mora, sem a cobrança de multa.
Além disso, o governo federal anunciou em 12 de janeiro um “incentivo extraordinário à denúncia espontânea”. Trata-se de uma autorregularização prevista na MP 1.160/23 para pagamentos de débitos tributários sem a incidência de multa de mora e de ofício. Neste caso, o contribuinte pode confessar débitos, com o afastamento da multa, após o início do procedimento fiscal e antes da constituição do crédito tributário. A autorização é para procedimentos fiscais iniciados até 12 de janeiro de 2023, quando entrou em vigor a MP 1.160/23.
O problema, afirma o advogado, é que a denúncia espontânea exige o pagamento dos tributos à vista, o que pode impactar o caixa das empresas a ponto de inviabilizar os negócios.
“A partir do momento em que o STF nega a modulação, a cobrança é retroativa, o contribuinte tem mais uma insegurança jurídica, sobre a incidência de juros e multa sobre os valores,” afirma Gallotti Olinto.
O tributarista Igor Mauler Santiago, do escritório Mauler Advogados, afirma que, uma vez que o STF não modulou os efeitos da decisão, fica clara a incidência de juros e multa sobre os valores. “Não houve nenhuma espécie de modulação. Então, se nada mudar, a regra é que, quando um contribuinte é autuado, ele paga multa e juros”, afirma o advogado.
Mauler observa, no entanto, que, historicamente, quando há grandes perdas para os contribuintes, o governo lança programas específicos de transação tributária ou de parcelamento de débitos, com o afastamento de penalidades. “Pode ser uma lei nova ou uma nova modalidade de transação tributária,” diz.
Penalidades devem ser excluídas, defende presidente do Cesa
Na visão do advogado Gustavo Brigagão, presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), o correto seria afastar a incidência de juros e multa nos débitos impactados pela decisão do STF. Brigagão observa que, pelo disposto no artigo 100, parágrafo único, do CTN, se o contribuinte seguir normas complementares das leis, a exemplo de atos normativos, fica excluída a “imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”.
“Se o contribuinte tem o direito de não pagar juros e multa ao seguir uma norma complementar, que dirá de uma decisão judicial com coisa julgada dizendo que ele não precisava pagar o tributo. Por uma razão muito mais forte, deve ser aplicada a mesma regra,” defende Brigagão.
“A não modulação da decisão causa uma insegurança jurídica absoluta para os contribuintes. Você tinha um passado amparado pela coisa julgada e vem o STF e adota outro entendimento, o que faz com que o passado, que era seguro, se transforme em um débito gigantesco.”
A tributarista Carolina Romanini Miguel, sócia do Cescon Barrieu Advogados, afirma que a decisão do STF pela cessação dos efeitos da coisa julgada tem efeito desastroso para as empresas.
“Há uma série de questões que precisam ser esclarecidas porque o STF mudou o passado. Nós estamos olhando caso a caso a situação do contribuinte para orientar sobre o que ele deve fazer,” diz a advogada.
Fonte: JOTA