ICMS compõe a base de cálculo do IRPJ/CSLL no lucro presumido, decide STJ
Tribunais em todo o Brasil deverão replicar o entendimento do STJ em casos idênticos
Os ministros da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram que o ICMS integra a base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) apurados no regime do Lucro Presumido. A decisão foi por cinco votos a um.
Como o julgamento ocorreu sob a sistemática de recursos repetitivos, os tribunais em todo o Brasil deverão replicar o entendimento do STJ em casos idênticos. Com a decisão, evita-se um impacto nos cofres públicos de R$ 2,4 bilhões anuais, conforme previsão do Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2024.
Essa foi a segunda grande vitória recente do governo federal no STJ nas pautas tributárias julgadas sob a sistemática de recursos repetitivos. Em 26 de abril, a 1ª Seção do STJ validou a cobrança do IRPJ e da CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS caso as empresas descumpram regras da LC 160/17 e da Lei 12.973/14.
O resultado desta quarta-feira (10/5) representa ainda uma derrota para os contribuintes em mais uma das chamadas “teses filhotes” do Tema 69, do Supremo Tribunal Federal (STF), a “tese do século”. No Tema 69, a Corte definiu que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da Cofins, o que levou a uma enxurrada de ações nos tribunais buscando a exclusão do imposto estadual e de outros tributos da base de impostos e contribuições.
No julgamento desta quarta-feira (10/5), prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Gurgel de Faria. Para o ministro, a posição do STF no Tema 69 está restrita ao PIS e à Cofins e não pode ser estendida ao IRPJ e à CSLL apurados no lucro presumido.
Faria pontuou que o regime do lucro presumido não comporta as exclusões da base de cálculo admitidas no regime lucro real. O julgador propôs a fixação da tese: “O ICMS compõe a base de cálculo do IRPJ e da CSLL quando apurados na sistemática do lucro presumido”.
A maioria acompanhou o entendimento, ficando vencida a relatora do processo, ministra Regina Helena Costa. Para a magistrada, o ICMS, mesmo no regime do lucro presumido, não constitui receita bruta e não integra definitivamente o patrimônio das empresas, sendo somente um valor repassado aos cofres públicos. Portanto, não deve ser tributado pelo IRPJ e pela CSLL.
Regina Helena Costa também havia proposto a modulação da decisão, para produzir efeitos a partir da publicação do acórdão. Já o voto vencedor, do ministro Gurgel de Faria, não prevê a modulação. Os recursos julgados não continham pedido de modulação e a decisão desta quarta não representa alteração de jurisprudência do STJ.
Voto vencedor
Em seu voto, Gurgel de Faria afirmou que, ao fixar o Tema 69, o Supremo se manifestou sobre os conceitos de receita e faturamento na Constituição Federal para fins de incidência do PIS e da Cofins. Já no caso do IRPJ e CSLL apurados pelo lucro presumido, disse o ministro, a legislação infraconstitucional respalda a inclusão do ICMS na base de cálculo. Faria observou ainda que a opção pelo lucro presumido pressupõe a tributação sobre a receita bruta, enquanto no lucro real é
apurado o lucro contábil das empresas.
O lucro real e o lucro presumido são regimes tributários que diferem na forma de determinação da base tributável. Enquanto no lucro real o cálculo é feito a partir do lucro efetivo no período de apuração, no lucro presumido são aplicados percentuais de uma tabela fixa de presunção. Só podem optar entre lucro real e presumido as empresas com faturamento anual até R$ 78 milhões. Para as que faturam acima desse patamar, a sistemática do lucro real é obrigatória.
Para o ministro Gurgel de Faria, caso o contribuinte pretenda abater despesas da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, “deve optar pelo lucro real, que contempla essa possibilidade”. O julgador afirmou ainda que o Tema 1.048, fixado em 2021 pelo STF é mais adequado à situação dos contribuintes do lucro presumido do que o Tema 69, firmado em 2017.
No Tema 1.048, o Supremo fixou a tese de que “é constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB)”. A possibilidade de exclusão do ICMS da base da contribuição previdenciária foi considerada outra “tese filhote” do Tema 69, porém, ao julgar o assunto, o STF decidiu em sentido contrário de seu entendimento anterior. A posição da Corte é que a exclusão do ICMS da base de cálculo iria ampliar “demasiadamente” o benefício fiscal da CPRB.
Para Gurgel de Faria, o mesmo racional pode ser aplicado à opção de apurar o IRPJ e a CSLL pelo lucro presumido. Para o ministro, aplicar a tese fixada no Tema 69 à situação criaria “um terceiro gênero de tributação mais benéfico” para o contribuinte.
Por outro lado, conforme o ministro, no julgamento do Tema 1.048 pelo STF, o contexto era “bastante semelhante ao dos autos”. “Se o caminho fosse simplesmente escolher qual dos dois precedentes [do STF] vai ser observado, deveria se escolher a prevalência da tese fixada no tema 1.048”, defendeu.
Impactos para as empresas
A decisão atinge todas as empresas que apuram o IRPJ e a CSLL pelo lucro presumido, ou seja, abrange contribuintes cujo faturamento é até R$ 78 milhões. Conforme Juliana Amaro, especialista da área tributária e sócia do escritório Finocchio & Ustra, a ausência de modulação pode ter impacto entre contribuintes que obtiveram liminar em primeira instância garantindo a exclusão do ICMS da base de cálculo dos tributos.
“A gente viu muitas empresas entrando com ação, conseguindo liminar em primeira instância e depois aproveitando [para excluir o ICMS]. Elas vão precisar fazer a regularização do tributo. É preciso apurar e gerar o Darf para recolher a diferença. Se a empresa não fizer isso, tem o risco de ser autuada”, observa.
A advogada Julia Ferreira Cossi Barbosa, especialista da área tributária do Finocchio & Ustra Advogados afirma que “surpreendeu” o número de votos favoráveis à tese do governo no julgamento. Ela também chama a atenção para a equiparação, no voto vencedor, entre as situações da CPRB e da opção pelo lucro presumido.
“Foram muito pelo lado de que o lucro presumido é uma opção da empresa. Como a CPRB também é uma forma de tributação opcional, o contribuinte não teria a opção de discutir a base tributável. Porém, na decisão sobre PIS e Cofins [Tema 69], o STF analisou a receita bruta. Não estava considerando lucro real, lucro presumido”, comentou.
Para o advogado Guilherme Yamahaki, sócio do Schneider Pugliese, a decisão desta quarta era “esperada” desde que o STF foi em sentido oposto ao Tema 69 ao julgar a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base da CPRB, que era outra “tese filhote”.
“Quando julgaram a inclusão na base da CPRB, também considerada uma ‘tese filhote’, entenderam que era constitucional justamente por ser um benefício. Seria uma faculdade do contribuinte escolher e essa foi a justificativa para distinguir. O ministro Gurgel usou esse mesmo racional. Na nossa opinião, é um erro. O conceito de receita bruto é único. Se o ICMS não compõe [a receita], vale para PIS/Cofins, CPRB, lucro presumido”, afirmou.
Foram julgados os REsps 1.767.631 e 1.772.470, identificados com o Tema 1008.
Fonte: JOTA