Empresas vão à Justiça para obter créditos de PIS/Cofins sobre gastos com LGPD
Contribuintes e fisco batem cabeça em debate sobre se as despesas com adequação devem ser tratadas como insumo
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) fez com que as empresas se mexessem. A legislação impôs uma série de obrigações e colocou os agentes de tratamento na mira de eventuais sanções. Foi com isso em mente que empresas passaram a entrar na Justiça para conseguir o direito de tomar créditos de PIS/Cofins sobre as despesas com adequação à lei. A lógica é a de que os gastos com esses ajustes devem ser tratados como insumo, porque são essenciais ao processo produtivo. O argumento, entretanto, gera polêmica.
Uma decisão deste mês da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) negou um pedido nesse sentido. O contribuinte alegou que, como os custos envolvidos no tratamento de dados pessoais e compliance são uma nova exigência à atividade empresarial, eles deveriam ser encaixados na definição de insumo. Para basear seu raciocínio, a companhia citou entendimento da Receita Federal, o qual reconheceu que gastos com itens que, uma vez suprimidos, poderiam causar danos e gerar sanções deveriam gerar créditos de PIS/Cofins.
A restrição à tomada de créditos foi discutida última sexta-feira (25/11) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando a maioria dos ministros considerou-a constitucional. A decisão cravou uma derrota aos contribuintes, que argumentavam em favor de uma análise em um sentido mais amplo. Como eles não foram vitoriosos, o debate a respeito de despesas com adequação à LGPD está ancorado nos critérios do que são insumos.
O conceito foi pauta de julgamento com força vinculante do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao enfrentar o REsp nº 1.221.170/PR, os ministros da 1ª Seção da Corte consideraram que o gasto deveria refletir a necessidade e a importância do bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica. Estabeleceu-se, então, os critérios de relevância e essencialidade para existir a possibilidade de dedução dos créditos.
O precedente foi um dos fundamentos usados pelo desembargador federal Carlos Muta para negar o pedido de creditamento de PIS/Cofins sobre despesas com adequação à LGPD quando a discussão surgiu para o TRF-3. O magistrado, relator da ação no tribunal, julgou que os gastos não se enquadravam no objeto social da empresa e se referiam apenas à atividade comercial, não podendo ser tratados como insumo.
A posição foi criticada por Fernanda Lains Higashino, sócia do Bueno Tax Lawyers. A advogada citou o exemplo dos produtos de limpeza utilizados na indústria alimentícia, que, mesmo não sendo empregados diretamente na produção das mercadorias, são indispensáveis ao processo e terminam por elevar os custos da operação. “Via de regra, essas obrigações que decorrem de lei e que, se não forem cumpridas, são apenadas, elas são objeto de creditamento de PIS e de Cofins. Então, a tendência é que as despesas com adequação à LGPD sigam no mesmo caminho.”
A legislação de proteção de dados brasileira estabelece pontos a serem observados por aqueles que realizam o tratamento de dados. Além dela, existe a regulamentação feita pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Na hipótese de desvios, o agente está sujeito a multas de até 50 milhões por infração na esfera administrativa e a contestações no Judiciário. Não entrar na linha pode se mostrar custoso.
A imposição legal colocada pela LGPD não diz nada sobre gastar altas somas de dinheiro, mas o sarrafo não é baixo. Segundo Maurício Tamer, advogado da área de Direito Digital e Proteção de Dados do Machado Meyer, o nível da regulação, de exigência de mercado e de expectativa faz com que as organizações tenham estes investimentos como mais uma prioridade.
Sem gastos com o desenvolvimento e a manutenção de um programa robusto, “a empresa não cumpre aquilo se espera da regulação. Pode até ter uma aparência de conformidade com a adoção de novas políticas em sites ou com a adequação meramente formal de contratos, o que apenas mantém os riscos jurídicos, de proteção à marca e reputacionais,” alertou Tamer.
Provar que se está em dia com as melhores práticas de proteção de dados também não é tarefa fácil. Como destacou Cristiane Manzueto, da área de Proteção de Dados do Tauil & Chequer Advogados, “as normas impostas pela LGPD são complexas. Não é uma coisa única. Entrega um papel, como tem, por exemplo, no tributário. Tem uma certidão de débito aqui. Pronto, estou em dia. É muito mais complexo. Não é um papel só que você tem, são várias etapas para fazer isso”.
Manzueto faz inclusive um paralelo para os contribuintes. Toda responsabilização e prestação de contas que as empresas terão de comprovar devem ser especificados ao Judiciário quando se tentar a obtenção de créditos de PIS/Cofins.
A falta de detalhamento foi um dos pontos levantados pelo desembargador federal do TRF-3 Johonsom di Salvo, que relatou uma ação sobre pedido de creditamento. O magistrado citou que a empresa não comprovou nem sequer especificou que gastos com adequação à LGPD seriam esses. E foi além ao afirmar que as despesas não constituem insumo, mas somente custos operacional do negócio, ônus da atividade que realiza.
Sob a ótica de Diana Castro, associada de Tributário do Tauil & Chequer Advogados, trata-se de uma discussão a respeito da essencialidade e relevância dos gastos, que não será possível ser travada fora do Judiciário sem uma regulamentação própria, em razão do conceito subjetivo de insumo.
Existe um projeto de lei em tramitação no Senado Federal que tenta atacar isso. De autoria do senador Izalci Lucas (PSDB/DF), o PL 4/2022 visa alterar a legislação tributária para permitir o desconto de créditos PIS/Cofins sobre gastos com LGPD. Outros impostos também entram na proposta. A redação da justificativa é um reflexo dos argumentos apresentados pelos que defendem essa possibilidade. Em uma das mudanças indicadas, as ações de adequação técnico-operacionais são citadas como “atividades essenciais e relevantes de assessoria e consultoria técnica, de segurança da informação e jurídica para alcance dos fins a que se destina”.
O PL está congelado na casa legislativa. Da mesma forma que não há legislação específica, ainda não existem precedentes vinculantes ou soluções de consulta sobre gastos com LGPD e créditos de PIS/Cofins. Por isso, Diana Castro recomendou cautela aos contribuintes, que terão de ir à Justiça para defender sua bandeira.
Os números das decisões citadas na reportagem, na ordem em que aparecem, são 5019335-93.2021.4.03.6100 (TRF-3), 1.221.170 (STJ) e 5003440-04.2021.4.03.6000 (TRF-3). Outra decisão serviu de base para a matéria, mas não foi citada. O número dela é 5008057-32.2020.4.03.6100 (TRF-3).
Fonte: JOTA