Consultora líder da Natura tem vínculo de emprego reconhecido pelo TRT4
Quando a cobra morre do seu veneno.
Para relator, atividades de consultora ‘eram essenciais na consecução dos objetivos comerciais’ da empresa
A história se repete há anos em todo país: uma mulher com uma revista vende cosméticos para as colegas, vizinhas e familiares. Seria ela autônoma ou empregada? Para o relator, Alexandre Correa da Cruz, da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), fica nítido o caso de vínculo empregatício quando a mulher havia laborado de forma subordinada à empresa, “estando sujeita ao atingimento de metas, angariando consultoras para a equipe, motivando-as para a atividade de vendas e gerenciando sua produtividade”. O TRT4 negou o pedido da Natura Cosméticos, que buscava reformar a primeira decisão judicial, por unanimidade.
A empresa argumentava que a consultora realizava o trabalho sem cumprimento de ordens, horários, metas ou obrigação de comparecimento a reuniões. Sustentava, ainda, que a trabalhadora poderia contar com auxílio de terceiros e se fazer substituir sem ingerência da empresa.
Os advogados da empresa também defendiam que a forma de contratação praticada pela Natura está amparada “pelo movimento de flexibilização da legislação trabalhista, o qual resultou na Lei nº 13.429/2017”. Mas o desembargador ponderou que a contratação ocorreu em 16 de Dezembro de 2005, portanto, antes da vigência da reforma trabalhista.
Na primeira instância, o juiz Roberto Dornelles Júnior, da 1ª Vara do Trabalho de Santa Rosa, havia concluído que a empresa não demonstrou a alegada relação autônoma de trabalho. “A relativa autonomia existente na relação é compatível com a natureza remota do trabalho, o que não desnatura a existência de vínculo de emprego. Havia exercício de comando, controle e supervisão do trabalho prestado pessoalmente, retribuído mediante remuneração periódica e variável”, escreveu.
Na segunda instância, o relator, Alexandre Correa da Cruz, afirmou que “a subordinação jurídica, requisito indispensável ao reconhecimento do vínculo empregatício e elemento que distingue o trabalho autônomo do subordinado, modernamente é vista não apenas como resultado do exercício do poder diretivo pelo empregador (subordinação subjetiva). Pode ser vista, também pelo enfoque objetivo (subordinação objetiva)”.
E, para ele, no caso concreto, a subordinação objetiva decorre do fato de a função exercida estar diretamente ligada aos interesses econômicos da empresa, ou seja, à efetivação do seu objeto social, à sua atividade-fim. “A subordinação se manifesta pela inserção da trabalhadora na dinâmica da tomadora de seus serviços, independente de receber ou não ordens diretas da contratante”.
“Não há dúvidas de que uma empresa, cujo objeto social envolve o comércio de produtos de higiene e cosméticos, necessita de vendedoras para atingir sua atividade-fim, que é a venda de tais produtos”, considerou o relator.
Desta forma, ele entendeu estar a atividade prestada pela trabalhadora, na condição de consultora orientadora (destinada a orientar as vendedoras), inserida na atividade-fim da empresa. “Suas atividades eram essenciais na consecução dos objetivos comerciais, pois a reclamante, além da
venda propriamente dita também orientava as vendedoras, assim como tinha de recrutar novas trabalhadoras. Tais elementos, somados aos demais (pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade), permite visualizar com nitidez os contornos de uma relação jurídica de viés trabalhista”.
Assim, ficou mantida a condenação da Natura para anotar a carteira de trabalho da mulher, com salário de R$ 2,5 mil. Além do aviso prévio indenizado, a empresa também deverá pagar 13º salário, férias e um terço do período não prescrito. Também são devidos os depósitos a título de FGTS e multa pelo pagamento das verbas rescisórias fora do prazo legal.
Procurada, a Natura enviou a seguinte nota:
A Natura está recorrendo da referida decisão e reitera a crença na validade de seu modelo comercial autônomo, implementado há mais de uma década, e já validado pelos Tribunais Regionais, inclusive o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), bem como pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho.
Nossas consultoras, como empreendedoras independentes, têm total autonomia para fazer a gestão do seu negócio: não há vínculo empregatício ou enquadramento de relação jurídica trabalhista, conforme as regras da legislação vigente. Ainda de acordo com a lei, elas são contempladas pela proteção previdenciária, por meio de contribuição individual à seguridade social ou ainda como microempreendedoras formais (MEI).
Nosso relacionamento com as consultoras é comercial, mas não exclusivo. Elas participam de programas de incentivos, mas não têm metas de vendas ou horário fixo. Gerenciamos os pedidos da rede para apoiar os membros ativos, mas os objetivos são traçados por elas mesmas, que vendem os produtos que desejarem com o preço que julgarem adequado. Trata-se, portanto, de um canal de geração de renda formal para quem valoriza a flexibilidade e a independência proporcionadas pelo modelo.
O caso tramita com o número 0020268-85.2021.5.04.0751.
Fonte: JOTA