Justiça do Trabalho não reconhece dispensa por força maior no caso de empresa que não foi extinta por dificuldades financeiras em razão da pandemia
A Justiça do Trabalho mineira considerou inválida a dispensa “por força maior” de um trabalhador, sob a justificativa da empresa de que enfrentava dificuldades financeiras em decorrência da pandemia da Covid-19.
Na sentença, o juiz Júlio César Cangussu Souto, titular da 2ª Vara do Trabalho de Montes Claros (MG), frisou que a força maior para a dispensa que autoriza o pagamento de apenas 50% das verbas rescisórias, caracteriza-se, nos termos do artigo 502 da CLT, se o motivo de força maior determinar a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, o que não ocorreu no caso. Isso porque, pelo princípio da alteridade que vigora do Direito trabalhista (artigo 2º da CLT), cabe ao empregador arcar com os riscos do empreendimento, que não podem ser transferidos ao empregado.
Tendo em vista a ausência dos requisitos legais exigidos para a validação dessa hipótese específica de ruptura contratual, o magistrado acolheu o pedido do trabalhador para afastar a dispensa por força maior e reconhecer a dispensa sem justa causa, operada em 25/5/2020 (considerada a projeção do aviso-prévio). A empresa foi condenada a pagar ao ex-empregado as verbas rescisórias, de forma integral, quais sejam: aviso-prévio indenizado, 13º salário e férias proporcionais, FGTS + 40%, além do saldo salarial, sendo autorizada a dedução dos valores pagos no momento da rescisão.
Desde 2015, o autor trabalhava como operador de empilhadeira para a empresa, uma distribuidora de materiais de construção. Em abril 2020, quando já vigoravam as restrições em razão da pandemia da Covid-19, ele foi dispensado sob a alegação de motivo de força maior.
A empregadora argumentou que houve “brusca redução em seu faturamento no curso da pandemia, especialmente nos primeiros meses, conforme comprovam os balanços realizados pela contabilidade da empresa”. Mas, na análise do magistrado, a situação fática e a documentação apresentada autorizam concluir que a dispensa sob o fundamento de ocorrência de força maior não é válida.
O julgador ressaltou ser fato público e notório que as medidas de isolamento social determinadas em razão da pandemia decorrente do coronavírus (Covid-19) provocaram uma grave crise financeira, notadamente em decorrência da paralisação temporária da atividade empresarial em diversos setores da economia.
Pontuou que, entretanto, esse cenário não é suficiente para autorizar o pagamento parcial das verbas rescisórias, na forma prevista no artigo 502, II, da CLT, e no parágrafo 2º do artigo 18 da Lei 8.036/90. Isso porque, para tanto, não basta apenas a ocorrência de motivo de força maior, sendo necessário que o impacto gerado nas atividades empresariais provoque a extinção da empresa ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, o que não foi comprovado, no caso.
Além disso, o juiz explicou que, em geral, problemas de índole financeira não podem ser considerados motivo de força maior, por não serem eventos inevitáveis e insuscetíveis de previsão, na medida em que decorrem do próprio desenvolvimento da atividade econômica. Ele lembrou que os riscos do empreendimento devem ser assumidos pelo empregador, sem qualquer repasse aos empregados, nos termos do art. 2º da CLT (princípio da alteridade).
“Nesse particular, vale ressaltar que, embora a Medida Provisória 927/2020, que tratou das medidas trabalhistas a serem adotadas para preservação do emprego e da renda diante da crise econômico-sanitária causada pela pandemia de Covid-19, tenha estabelecido que o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto nº 6, de 2020, constitui hipótese de força maior, não pode a ré pretender se beneficiar da parte do artigo 502 da CLT relativa ao pagamento reduzido de parcelas decorrentes da dispensa sem justa causa e afastar a literalidade da parte que pressupõe a extinção da empresa ou do estabelecimento”, destacou o juiz.
Na sentença, foi registrado ainda que essa tem sido a linha de entendimento adotada no Tribunal Regional do Trabalho de Minas, isto é, no sentido de que o artigo 502, II, da CLT, somente é aplicável quando o motivo de força maior determine a extinção da empresa ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado. Em suma, para a validade da dispensa por motivo de força maior nos moldes estabelecidos no artigo 501 da CLT, exige-se prova de que a pandemia afetou substancialmente a situação financeira do empregador, de forma a impossibilitar a continuidade da atividade empresarial.
Em decisão unânime, os julgadores da 9ª Turma do TRT mineiro confirmaram a sentença. Houve recurso de revista, que aguarda decisão no TRT-MG.
Processo PJe: 0011330-78.2020.5.03.0100
Fonte: Jornal da Ordem