Empresas podem ganhar R$ 90,3 bilhões com teses filhotes do ICMS no PIS/Cofins
Elencamos ao menos quatro discussões em andamento no Judiciário decorrentes do caso da “tese do século”
A conclusão do julgamento sobre o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins deixou uma herança para os tribunais brasileiros neste e nos próximos anos: uma série de “teses filhotes” requerendo a exclusão de outros tributos da base de cálculo das contribuições e de outros impostos.
O JOTA elencou pelo menos quatro discussões em andamento no Judiciário com teses decorrentes do caso do ICMS, conhecido como a “tese do século”. As principais polêmicas giram em torno da inclusão do ISS na base do PIS e da Cofins e da inclusão do PIS e da Cofins em suas próprias bases de cálculo.
Apenas nestes dois casos, há 7.584 processos parados em todo o Brasil aguardando a conclusão dos julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF). A União calcula um risco de perder R$ 18,1 bilhões em arrecadação em um ano e R$ 90,3 bilhões em cinco anos caso seja derrotada nos dois recursos, de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Advogados tributaristas ouvidos pelo JOTA alertam ainda para a insegurança jurídica que a demora do Judiciário para apreciar essas teses causa para as empresas. Ao obter liminares favoráveis em primeira instância, muitas companhias não sabem se devem de fato deixar de recolher o tributo. Algumas optam por fazer uma reserva financeira para o caso de os tribunais superiores decidirem de modo distinto.
Inclusão do ISS no PIS/Cofins
Para o tributarista Rafael Bragança, do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, o julgamento no STF com tese mais semelhante ao caso do ICMS é o que discute a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins. Trata-se do RE 592616, Tema 118 da sistemática de repercussão geral do STF.
No caso do ICMS, o STF decidiu, em 15 de março de 2017, que o imposto não integra a base de cálculo do PIS e da Cofins. A maioria dos ministros entendeu que o imposto não é uma receita própria, mas um valor repassado ao estado, e por isso não pode ser incluído no conceito de faturamento, que é a base de cálculo para a cobrança das contribuições.
Para Bragança, o cerne da discussão sobre o ISS é semelhante, senão idêntico, ao do ICMS. Ele afirma que ambos são valores que transitam pelo caixa das empresas e são repassados ao estado, não representando receita própria. A diferença é que o ICMS é estadual, ao passo que o ISS é municipal e incide sobre serviços, como saúde, estética, hotelaria, cinema e tecnologia da informação.
“Eu não consigo enxergar diferença entre as duas teses. Eu entendo que o raciocínio deve ser o mesmo, que o ISS não representa faturamento das empresas e não pode ser incluído na base do PIS e da Cofins”, afirma Bragança.
O julgamento sobre o ISS está parado no STF e sem previsão de ser retomado. Ele foi iniciado em 14 de agosto de 2020, mas a possibilidade de um empate levou o ministro Luiz Fux a pedir destaque
do caso em agosto de 2021. Agora, a votação será levada ao plenário, e a contagem de votos reiniciada.
O JOTA mostrou que por conta de alterações na composição do tribunal o resultado no caso do ISS pode ser diferente em relação ao ICMS, um dos fatores de insegurança para os contribuintes.
Segundo o STF, há 4.463 processos sobrestados em todo o Brasil aguardando a conclusão desse julgamento. A União estima um risco de perda de R$ 6,1 bilhões em um ano e R$ 32,3 bilhões em um ano caso perca esse recurso.
PIS/Cofins em sua própria base
A tributarista Rebeca Müller, do Figueiredo e Velloso Advogados, aponta que outro caso decorrente da “tese do século” diz respeito à inclusão do PIS e da Cofins em suas próprias bases de cálculo, o chamado “cálculo por dentro”. A matéria será apreciada no RE 1233096, com repercussão geral reconhecida no Tema 1067.
Rebeca explica que, neste recurso, a exemplo do caso do ICMS, o contribuinte alega que o PIS e a Cofins não se enquadram no conceito de receita e faturamento e, portanto, não podem compor a própria base de cálculo. De acordo com o STF, há 3.121 processos em todo o Brasil sobrestados aguardando esse julgamento, que ainda não foi iniciado. Neste caso, a União estima perda de R$ 12 bilhões em um ano e R$ 60 bilhões em cinco anos caso seja derrotada, de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
“Este caso tem uma dinâmica específica, a do cálculo por dentro, isto é, um tributo dentro de sua própria a base. A discussão, no entanto, é a mesma, se o PIS e a Cofins representam faturamento para as empresas”, diz Rebeca.
Mais julgamentos
Os contribuintes também aguardam o julgamento sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL para optantes do lucro presumido. O tema será decidido no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio dos REsps 1767631/SC, 1772634/RS e 1772470/RS, elencados no Tema 1008 da sistemática de recursos repetitivos da Corte.
De um lado, os contribuintes pedem que seja aplicado o mesmo entendimento do STF na “tese do século”, no sentido de que são valores transitórios no caixa das empresas e não devem compor a base de cálculo de outros tributos. De outro, a Fazenda Nacional argumenta que a dedução só seria possível para optantes do lucro real.
De modo geral, o lucro real resulta da diferença entre receita bruta e as chamadas despesas operacionais. É o que os contadores chamam de lucro líquido ajustado por adições, exclusões ou compensações previstas em lei. Já o lucro presumido é um percentual de presunção – que varia de 8% a 32% de acordo com a atividade econômica – sobre a receita bruta das empresas.
O STJ tem precedentes no sentido de que o ICMS integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL no lucro presumido justamente porque, neste regime, em tese, o cálculo do lucro já incluiria possíveis deduções a que o contribuinte teria direito. Não caberia, assim, fazer uma nova dedução, a do ICMS.
A tributarista Maria Danielle Rezende de Toledo, sócia do escritório LIRA Advogados, explica que a base de cálculo do IRPJ e da CSLL é receita e lucro, respectivamente. Então, afirma, é preciso
saber se um valor de natureza diversa à receita e ao lucro, no caso o ICMS, pode entrar nessa base.
“Estamos discutindo se esses valores apenas passam pelo caixa das empresas e são recolhidos ao estado ou Distrito Federal, não devendo assim ser tributados. Incluir valores que não estão relacionados com a base de cálculo de um tributo afronta a legalidade e a constitucionalidade, além de onerar ainda mais o custo tributário das empresas”, afirma Danielle.
ICMS-ST na base do PIS/Cofins
O STJ deverá decidir ainda se é regular a inclusão do ICMS Substituição Tributária (ICMS-ST) na base de cálculo do PIS e da Cofins. No regime de substituição tributária, um contribuinte é responsável por recolher o ICMS dos demais elos de uma cadeia de consumo de forma antecipada, facilitando a fiscalização quanto ao pagamento do tributo.
O STJ recebeu, dos tribunais de origem, a indicação de três processos para representar a controvérsia. A 1ª Seção ainda analisará se, de fato, eles representam o tema para, então, decidir se eles devem ser julgados sob a sistemática de recursos repetitivos. Os processos são os REsps 1924373/RS, 1958265/SP e 1936822/RS.
Demora gera insegurança
Para os tributaristas, a demora do Judiciário em apreciar essas teses gera insegurança para os contribuintes. No caso do ISS, por exemplo, o tributarista Rafael Bragança afirma que mesmo empresas que conseguem liminares permitindo a exclusão do imposto da base do PIS e da Cofins preferem continuar pagando o tributo ou fazer uma reserva de recursos até que o STF decida o tema definitivamente.
No Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, cerca de 10 empresas conseguiram liminar em primeira instância para excluir o ISS da base do PIS e da Cofins. “Muitos preferem continuar pagando e, se o STF entender de modo favorável aos contribuintes, eles pedirão restituição”, explica Bragança.
A tributarista Maira Cristina Santos Madeira, do escritório Abe Giovanini Advogados, considera que a maior insegurança surgiu quando o STF suspendeu o julgamento desse caso, em agosto de 2021. Naquele momento, diante da possibilidade de empate, os ministros decidiram aguardar a chegada do 11º ministro da Corte.
“Pela similaridade com o caso do ICMS, os contribuintes esperavam que esse julgamento fosse encerrado rapidamente. Muitas empresas conseguiram liminar favorável desde 2017 para excluir o ISS da base do PIS e da Cofins. Agora, se o STF decidir de modo diverso, elas terão de pagar todo o tributo em 30 dias, com um impacto grande em seu caixa, sobretudo neste período de crise econômica”, diz Maira.
No LIRA Advogados, há cinco processos questionando a inclusão do ISS na base do PIS e da Cofins, principalmente de empresas do setor da construção civil. Há outras 10 ações requerendo a retirada do PIS e da Cofins de suas próprias bases de cálculo, sobretudo de companhias do setor automotivo.
Maria Danielle, sócia do LIRA, afirma que outro fator de insegurança para os contribuintes foi a decisão do STF que considerou constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), em sentido oposto ao decidido na “tese do século”.
“Os clientes estão inseguros para utilizar as liminares [e com isso, deixar de pagar os tributos] em outras teses filhotes decorrentes da tese do século, uma vez que não sabem o que o STF decidirá. Muitos optaram por pagar o valor integral do tributo e outros, por realizar o depósito judicial”, afirma Maria Danielle.
Fonte: JOTA